Rede

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 19h43min de 18 de Agosto de 2009 por Patricia Marouvo (Discussão | contribs)

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A questão do diálogo é central a tudo que diz respeito à língua e à linguagem e, automaticamente, aos discursos, aos textos e às obras. Isto é assim porque o ser humano é essencialmente um diálogo. A questão do diálogo deve ir paulatinamente substituindo alguns termos deficientes e tornados jargões, porque dependentes de visões metafísicas dos processos. Sobretudo estão neste caso três: código, sistema e paradigma. Em seu lugar devem ser usados os termos-questões: rede, corpo e leitura. Porém, a substituição nada traz em si. É necessário conceber estes termos-questões como tendo sua origem no diálogo, ou, na verdade, diálogos. Diz Capra: "Todo sistema se parece muito mais com uma rede, mais com pessoas falando [uma das formas de diálogo] umas com as outras... Pouco a pouco, os imunologistas têm sido forçados a mudar sua percepção de um sistema imunológico para uma rede imunológica" (1). Nesse sentido de rede, cada discurso é um diálogo em rede não só de quem "discursa" mas também das "palavras" e "falas". Contudo, se o discurso só se compõe de conceitos, palavras, proposições, e não de diálogo profundo nem de escuta verdadeira, ele se reduz ao código da circulação comunicativa, a partir das falas do discurso, sem levar em conta os buracos e o silêncio da rede, nem levar em conta, para aquém dos conceitos, as questões inerentes ao discurso como rede. É importante acentuar que o diálogo age não só individualmente na tensão EU x TU mas também se faz presente a rede em cada eu e em cada tu de tal maneira que constitui algo em comum e este algo comum está presente tanto no eu como no tu.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) CAPRA, Fritjof. A teia da vida. S. Paulo: Cultrix, 2004, p. 219.


Ver também:


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Em lugar de rede também se pode usar o termo teia. A imagem de uma rede ou figura de uma rede coloca muito bem algumas das questões essenciais da leitura. Olhando uma rede, constatamos logo cinco dados fundamentais: 1º) Os fios - verticais e horizontais -; 2º) Os nós; 3º) Os entre-lançamentos; 4º) Os vazios; 5º) O vazio ou silêncio. Numa primeira visão, constatamos logo os nós e as linhas. Olhando melhor, acrescentamos os vazios entre-as-linhas-e-os-nós. Olhando mais profundamente, vemos que as linhas e os nós têm um limite e que o vazio/ silêncio continua. A ideia de espaço vem muito mais das linhas e dos nós e não do vazio e do silêncio. Soa até estranho ligar silêncio a espaço. Diante do vazio dos vazios, vamos descobrir um círculo: as linhas e nós fazem aparecer os buracos/vazios. De repente, nos damos conta do círculo: é o vazio/silêncio que faz aparecer e doa as linhas e os nós. De fato, nem isto acontece. A tensão vai ser entre figura e vazio/silêncio. E aí outro círculo. Não são como parece as linhas e nós que formam a figura (da rede/ obra, etc). Pelo contrário, a con-figuração de linhas e nós é que faz surgir a figura. Separadamente as linhas e nós não figuram nada. O círculo se completa porque tanto a configuração como a figura são uma doação do vazio/silêncio. Porém, quando projetamos a rede no tempo, tudo assume uma nova perspectiva e dimensão. Seria um sexto tópico fundamental: o vazio/silêncio se torna Memória, entendida no sentido mítico: o que foi, é e será, ou seja, o que dá unidade, conforme a sua etimologia. Mas o que dá unidade recebe imemorialmente o nome de lógos, ou seja, reunião. Porém, esta reunião é de tudo o que a imagem-questão rede nos dá, ou seja, fala e silêncio, figura e vazio.


- Manuel Antônio de Castro


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Quando nos deparamos com um texto histórico e outras produções culturais, sabemos que eles pertencem a uma rede e a uma configuração. O estudo espacial e temporal, e nos três níveis: hipotexto, intertexto e hipertexto se servem da memória como disciplinas. Dadas as diferentes coordenadas aqui antes apresentadas, surgem diferentes interpretações, observações e análises. Porém, tais textos ou documentos não são obras de arte, mas podem ser se ampliarmos o que se entende por arte para além dos conceitos classificatórios tradicionais. Mas quando podemos incluir algo na ordem da arte? Olhemos a rede. Os nós, as linhas e os vazios da rede são uma doação do vazio/silêncio/memória/linguagem/poíesis. Qualquer produção onde o vetor originante seja o originário doador, teremos arte. Mas estes jamais serão objeto de um ensino ou de um aprendizado, isto é, jamais serão objeto de disciplinas. É que tal originário não é passível de conceituação, pois precede e possibilita os conceitos, e estes jamais o delimitam. Por outro lado, ele não nos é inacessível, senão não seria passível de uma experienciação e aprendizagem. Nem ele nos vem nunca diretamente, mas só obliquamente e até dissimuladamente. Como? Tudo que vemos imediatamente é a rede com seus nós linhas, figura e configuração. O que aí se vela é o originário de tudo isso: o vazio/silêncio/memória/linguagem/poíesis. A rede serve para nos fazer ver e ouvir o que nuca se mostra e nem se diz, embora ela seja uma doação deles. O interpretar, neste caso, não é construir conhecimentos presentes ou passados, formais ou genéricos das redes, mas, falando das redes, indiciar e assinalar o vazio e silêncio, fonte de todo sentido e real. Isso é a Poética.


- Manuel Antônio de Castro
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