Movimento

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: "O grego estranha o ''movimento''. O ''movimento'' assombra-o. Que é que isto quer [[dizer]]? Movimento (''kynesis'') tem em grego um [[sentido]] mais amplo que nas nossas [[línguas]]. Equivale a [[mudança]] ou variação. O que nós chamamos de movimento é apenas uma [[forma]] particular de ''kynesis''. Distinguem-se quatro tipos de movimento:
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: "O grego estranha o ''[[movimento]]''. O ''[[movimento]]'' assombra-o. Que é que isto quer [[dizer]]? [[Movimento]] (''kynesis'') tem em [[grego]] um [[sentido]] mais amplo que nas nossas [[línguas]]. Equivale a [[mudança]] ou variação. O que nós chamamos de [[movimento]] é apenas uma [[forma]] particular de ''kynesis''. Distinguem-se quatro [[tipos]] de [[movimento]]:
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:  1o. - o movimento local (''phorá''), a mudança de [[lugar]];
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: Todos estes movimentos, especialmente o último, que é o mais profundo e [[radical]], perturbam e inquietam o [[homem]] grego, porque tornam problemático o [[ser]] das [[coisas]], mergulham-no na [[incerteza]], de tal forma que não sabe a que ater-se, em relação a elas. Se as coisas mudam, o que serão na [[verdade]]? (1). Estes movimentos remetem para muitas questões, sobretudo [[tempo]], [[fenômeno]], [[representação]], cinema, [[imagem]], processo, [[visão]]. A [[palavra]] [[cinema]] vem diretamente da palavra grega que diz movimento: ''kinesis''.
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: Todos estes [[movimentos]], especialmente o último, que é o mais [[profundo]] e [[radical]], perturbam e inquietam o [[homem]] [[grego]], porque tornam problemático o [[ser]] das [[coisas]], mergulham-no na [[incerteza]], de tal forma que não sabe a que ater-se, em relação a elas. Se as [[coisas]] mudam, o que serão na [[verdade]]?" (1).  
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: Estes [[movimentos]] remetem para muitas [[questões]], sobretudo [[tempo]], [[fenômeno]], [[representação]], [[cinema]], [[imagem]], processo, [[visão]]. A [[palavra]] [[cinema]] vem diretamente da [[palavra]] [[grega]] que diz [[movimento]]: ''kinesis''.
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: (1) MARÍAS, Julián. ''História da filosofia''. 3.ed. Trad.: Alexandre Pinheiro Torres. Porto (Portugal): Sousa & Almeida, 1973, p. 34.
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: (1) MARÍAS, Julián. '''História da filosofia'''. 3.e. Trad.: Alexandre Pinheiro Torres. Porto (Portugal): Sousa & Almeida, 1973, p. 34.
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: "[[Circe]] é a “‘[[deusa]] das [[deusas]]’, ‘a filha do [[sol]]’, cujo [[nome]] remete a ''kirkos'', e que os escólios identificam com o anel ou [[círculo]] da [[natureza]] poderosa que reúne [[vida]] e [[morte]], nascimento e destruição num [[eterno]] [[movimento]], ou com o [[movimento]] [[circular]] do [[universo]]” (Schuback: 1999, 166) (1). No verso 150, do mesmo [[canto]], assim [[Ulisses]] caracteriza [[Circe]]:
: "[[Circe]] é a “‘[[deusa]] das [[deusas]]’, ‘a filha do [[sol]]’, cujo [[nome]] remete a ''kirkos'', e que os escólios identificam com o anel ou [[círculo]] da [[natureza]] poderosa que reúne [[vida]] e [[morte]], nascimento e destruição num [[eterno]] [[movimento]], ou com o [[movimento]] [[circular]] do [[universo]]” (Schuback: 1999, 166) (1). No verso 150, do mesmo [[canto]], assim [[Ulisses]] caracteriza [[Circe]]:
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: ''[[Circe]], de tranças bem feitas, canora e terrível [[deidade]]''. (Homero: 1960, 183)"(2) (3).
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: ''[[Circe]], de tranças bem feitas, canora e terrível [[deidade]]''. (Homero: 1960, 183)"(2).
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: Estas duas passagens fazem parte do meu [[ensaio]] sobre Ulisses: "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias" (3).
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: (1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante (Org.). "As cordas serenas de Ulisses". In: '''Ensaios de filosofia'''. Petrópolis R/J: Vozes, 1999.
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: (2) HOMERO. '''Odisseia'''. 3.e. Trad. Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, 1960. 
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: (3) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 155.
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: "Ora, um [[princípio]] constitui algo [[inato]], pois é a [[partir]] de um [[princípio]] que [[necessariamente]] assume [[existência]] tudo aquilo que existe, ao passo que o [[princípio]] não provém de [[coisa]] alguma, pois, se começasse a [[ser]] partindo de qualquer outra [[fonte]], não seria [[princípio]]. Por outro lado, como não proveio de uma [[geração]], não se encontra [[sujeito]] à [[corrupção]] , pois é [[evidente]] que, uma vez o [[princípio]] anulado, jamais poderia gerar-se nele, porque ele é [[princípio]] e tudo provém [[necessariamente]] desse [[princípio]]. Podemos então concluir que o [[princípio]] do [[movimento]] é o que a si mesmo se move e por isso não pode ser anulado, nem pode [[ter]] começado a [[existir]], pois, de outra maneira, todo o [[universo]], todas as [[gerações]] parariam e jamais poderiam [[voltar]] a [[ser]] movidas a encontrar um ponto de [[partida]] para a [[existência]]" (1).
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: (1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante (Org.). "As cordas serenas de Ulisses". In: ''Ensaios de filosofia''. Petrópolis R/J: Vozes, 1999.
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: (1) PLATÃO. '''Fedro''', 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, ''Les Belles Lettres'', 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 57, 245d.
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: (2) HOMERO. ''Odisseia''. 3.e. Trad. Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, 1960. 
 
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: (3) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 155.
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: "Os [[celtas]] entendiam que o [[movimento]] é a [[realidade]] suprema: o fluxo dá [[significado]] à [[vida]]. Nas [[palavras]] de um [[filósofo]] [[grego]]:
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: ''Ninguém se banha no [[mesmo]] [[rio]] duas vezes'' " (1).
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: Referência:
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: (1) HOOD, Juliette. "Como Viver e como Morrer". '''O livro celta da vida e da morte'''. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 67.

Edição de 22h12min de 6 de fevereiro de 2022

Tabela de conteúdo

1

"O grego estranha o movimento. O movimento assombra-o. Que é que isto quer dizer? Movimento (kynesis) tem em grego um sentido mais amplo que nas nossas línguas. Equivale a mudança ou variação. O que nós chamamos de movimento é apenas uma forma particular de kynesis. Distinguem-se quatro tipos de movimento:
1o. - o movimento local (phorá), a mudança de lugar;
2o. - o movimento quantitativo, isto é, o aumento e a diminuição (hauksesis kai phthisis);
3o. - o movimento qualitativo ou alteração (alloiosis);
4o. - o movimento substancial, isto é: a geração e a corrupção (genesis kai phtorá).
Todos estes movimentos, especialmente o último, que é o mais profundo e radical, perturbam e inquietam o homem grego, porque tornam problemático o ser das coisas, mergulham-no na incerteza, de tal forma que não sabe a que ater-se, em relação a elas. Se as coisas mudam, o que serão na verdade?" (1).
Estes movimentos remetem para muitas questões, sobretudo tempo, fenômeno, representação, cinema, imagem, processo, visão. A palavra cinema vem diretamente da palavra grega que diz movimento: kinesis.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) MARÍAS, Julián. História da filosofia. 3.e. Trad.: Alexandre Pinheiro Torres. Porto (Portugal): Sousa & Almeida, 1973, p. 34.

2

"Circe é a “‘deusa das deusas’, ‘a filha do sol’, cujo nome remete a kirkos, e que os escólios identificam com o anel ou círculo da natureza poderosa que reúne vida e morte, nascimento e destruição num eterno movimento, ou com o movimento circular do universo” (Schuback: 1999, 166) (1). No verso 150, do mesmo canto, assim Ulisses caracteriza Circe:
Circe, de tranças bem feitas, canora e terrível deidade. (Homero: 1960, 183)"(2).
Estas duas passagens fazem parte do meu ensaio sobre Ulisses: "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias" (3).


Referências:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante (Org.). "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de filosofia. Petrópolis R/J: Vozes, 1999.
(2) HOMERO. Odisseia. 3.e. Trad. Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, 1960.
(3) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 155.

3

"Ora, um princípio constitui algo inato, pois é a partir de um princípio que necessariamente assume existência tudo aquilo que existe, ao passo que o princípio não provém de coisa alguma, pois, se começasse a ser partindo de qualquer outra fonte, não seria princípio. Por outro lado, como não proveio de uma geração, não se encontra sujeito à corrupção , pois é evidente que, uma vez o princípio anulado, jamais poderia gerar-se nele, porque ele é princípio e tudo provém necessariamente desse princípio. Podemos então concluir que o princípio do movimento é o que a si mesmo se move e por isso não pode ser anulado, nem pode ter começado a existir, pois, de outra maneira, todo o universo, todas as gerações parariam e jamais poderiam voltar a ser movidas a encontrar um ponto de partida para a existência" (1).


Referência:
(1) PLATÃO. Fedro, 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 57, 245d.


4

"Os celtas entendiam que o movimento é a realidade suprema: o fluxo dá significado à vida. Nas palavras de um filósofo grego:
Ninguém se banha no mesmo rio duas vezes " (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. "Como Viver e como Morrer". O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 67.