Escuta

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 02h01min de 2 de Agosto de 2009 por Bianka (Discussão | contribs)

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Heráclito, no fragmento 50, fala do lógos como escuta, certamente porque o léguein além de significar reunir, quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do lógos não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o real se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é algo, é real, é o real se dando como fala, como verdade e se retraindo e velando como não-verdade. Então, escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fica mais claro, se é possível, que um outro modo de escuta do real é a visão. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como presença, onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria clareira onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do sendo. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do corpo, onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o lógos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro

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"O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 168.

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"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um ser cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos dizer que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um pensamento que se coloca à disposição da força" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.


Ver também:

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Na escuta há a fala e o apelo. O apelo é a fala originária, a abertura liminar para o novo, o além-limite. Por isso, toda interpretação só é hermenêutica enquanto desvelo do apelo. O apelo é a eclosão da linguagem em língua poética, na medida em que toda língua é filha da linguagem.


- Manuel Antônio de Castro

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Heidegger interpreta trechos de Hölderlin que fala do homem como diálogo na conferência "Hölderlin e a essência da poesia". "Mas Hölderlin diz : 'Desde que nós somos um diálogo e podemos escutar uns aos outros'. Poder escutar não é meramente uma consequência de falar uns com os outros, mas é ao contrário a pressuposição para falar. Mas mesmo o poder escutar é ele mesmo de outro modo baseado sobre a possibilidade da palavra e possui a necessidade dela. Poder falar e poder escutar são co-originados" (1).


Referência:
(1) WERNER, tese, capítulo III, p. 25.


- Manuel Antônio de Castro


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A obra enquanto escuta indica uma referência à linguagem/phýsis. A escuta não é algo de passivo, mas o horizonte do desabrochar de quem escuta. Nessa tensão ocorre a obra, a obra enquanto dinâmica de manifestação da verdade, que implica o que somos e, por isso, toda escuta é ética. Isto significa que escuta não diz apenas conhecer, mas ser o que se conhece. Neste sentido, o que se é não pode ser ensinado. Por isso, todo conhecer que implica o que se é se dá como sentido e verdade enquanto escuta compreensiva.


- Manuel Antônio de Castro


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"O mito não se lê, o mito se ouve. A escuta, muito ao contrário da visão, não sabe o que é ilusão. A escuta nunca pode acontecer onde se pressupõe que haja apenas um número um, uma individualidade que exclui de si um outro. A visão, somente a visão, pode separar um do outro. A escuta é sempre escuta de mais de um no um. Por isso, é constitutiva da escuta a associação, o eco, a ressonância, a repercussão. Todo som é uma série de sons e, por isso, podemos sempre tanto ouvir diferenças no mesmo como ouvir semelhanças no diverso" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Cavalcânti. "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de filosofia. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 170.


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"Importa desenvolver uma atitude de escuta, um sentimento profundo de identificação com a natureza, com suas mudanças e estabilidades" (1). Ao longo do livro, Leonardo Boff identifica a escuta, primeiro com o lógos, depois como o destino. Por isso, é importante o levantamento dos diversos aspectos da escuta. Antes, disse que não sabemos o que é a natureza, como não sabemos o que é o ser e o nada. A escuta, pois, no fundo, é do cuidado essencial, ou o cuidado essencial é a escuta.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) BOFF, Leonardo. Saber cuidar. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 116.


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"Mas falar é ao mesmo tempo escutar. É hábito contrapor a fala e a escuta: um fala e o outro escuta. Mas a escuta não apenas acompanha e envolve a fala que tem lugar na conversa. A simultaneidade de fala e escuta diz muito mais. Falar é, por si mesmo, escutar. Falar é escutar a linguagem que falamos. O falar não é ao mesmo tempo, mas antes uma escuta. Essa escuta da linguagem precede todas as demais escutas possíveis. Não falamos simplesmente a linguagem. Falamos a partir da linguagem. Isso só nos é possível, porque já sempre pretencemos à linguagem. O que é que nela escutamos? Escutamos a fala da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 203.


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Heidegger trata da questão da essência da técnica e mostra que há um itinerário que o pôr lhe destina, mas o descobrimento da essência da técnica tanto o pode libertar como pode lhe oferecer o supremo perigo. Ao transformar e interpretar a phýsis em pura disponibilidade (inclisive ele, homem) dá a impressão e aparência de que só se dá a presença em toda parte do homem. É aí o grande perigo, porque perdeu o dom da ESCUTA ao apelo: "Entretanto hoje em dia, na verdade o homem já não se encontra em parte alguma consigo mesmo, isto é, com sua essência. O homem está tão decididamente empenhado na busca do que a composição pro-voca e ex-plora que já não a toma como um APELO, e nem se sente atingido pela exploração (provocação). Com isso não escuta nada que faça essência ex-sistir no espaço de um apelo e por isso nunca pode encontrar-se, apenas, consigo mesmo" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 30.