Conceito

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 12h52min de 13 de Setembro de 2009 por Patricia Marouvo (Discussão | contribs)

1

Há uma relação profunda entre metafísica, conceitos e razão. Se os conceitos vigem na razão, as questões vigem no pensamento enquanto poíesis, o poético vigorando. O destino metafísico ocidental está em se constituir a metafísica numa experienciação de pensamento enquanto razão nos seus limites de possibilidade a partir de e nos conceitos. Por isso nos diz Nietzsche: "Os diversos conceitos filosóficos não são, de forma alguma, coisa de somenos nem nada que tenha nascido espontaneamente por si mesmo. Cresceram numa relação de parentesco uns com os outros. Por mais que aparentem ter surgido de chofre e arbitrariamente, pertencem de fato a um sistema, tanto quanto os espécimes da fauna de uma região: é o que, em última instância, nos revela a segurança com que os filósofos mais diferentes entre si sempre preenchem um mesmo esquema básico de filosofias possíveis. Na força de um ditado invisível, todos eles percorrem sempre de novo a mesma órbita. Por mais que se sintam independentes, em sua vontade crítica ou sistemática, algo neles os conduz, alguma coisa os empurra, um atrás do outro, dentro de determinada ordem, a saber, o sistema inato de parentesco dos conceitos. O seu pensamento é, na verdade, muito menos descoberta do que reconhecimento e recordação, retorno e volta para uma economia distante e arcaica da alma, donde os conceitos brotaram pela primeira vez. Deste modo, filosofar é uma espécie de atavismo no mais alto grau" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal - Prelúdio de uma filosofia do futuro, apud LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 122.


2

Diz Heidegger: "Nas ciências se realiza no plano das ideias - uma aproximação daquilo que é essencial em todas as coisas" (1). O problema do conceito é sempre este: ele estabelece necessariamente uma forma e um limite a partir do poder estabelecer relações - o da ideia. Porém, esta se torna problemática porque toda forma enquanto ideia (conteúdo) se torna uma fôrma. E esta, equanto representação, é apenas uma aproximação sem vigor na proximidade do Ser (Real).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. O que é metafísica?. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969, p. 23.


Ver também:


3

"Uma interpretação do símbolo continua sendo ela mesma símbolo, apenas um pouco racionalizada, ou seja, um pouco mais próxima do conceito" (1).
"O sentido não é solúvel no conceito. Papel do comentário. Teremos quer uma racionalização relativa do sentido (a análise científica habitual), quer um aprofundamento do sentido, com a ajuda de outros sentidos (a interpretação filosófico-artística)" (2).


Referências:
(1) BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. S. Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 402.
(2) Idem, p. 402.


4

A lógica brota naturalmente do [lógos]], assim como o conceito da questão. Tanto lógica como conceito são etapas interrompidas da coisa como acontecer. Nesse horizonte, tanto a lógica como o conceito devem ser paragens de apreensão e compreensão da própria doação da coisa.


- Manuel Antônio de Castro


5

Esquece-se totalmente que a hegemonia do conceito e a interpretação do pensamento como conceber (cum-capere) repousam de ante-mão e unicamente sobre a essência impensada, porque não-apreendida, de on e eínai.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra de Anaximandro". In: Os pensadores. Os pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.


6

"P - Talvez acena para a essência da linguagem?
J - Isso mesmo. Mas também receio que caracterizar a formulação 'casa do ser' e aceno poderia nos levar a representar o aceno como um conceito-chave em que tudo pudesse ser empacotado.
P - É o que não pode e nem deve acontecer.
J - Mas evitar?
P - Jamais poderá evitá-lo totalmente.
J - Por que não?
P - Porque o modo de representação conceitual se aninha facilmente em todo tipo de experiência humana" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 92.


7

"O conceito é a tentativa constante e necessária de o conhecimento anular o paradoxo da realidade em sua manifestação poética. Ele não consegue porque a todo conceito subjaz sempre um interstício, um vazio, um silêncio, um velar-se." (1)


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o 'entre'". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: número 164, jan.-mar. 2006, p. 7.


Ver também:


8

Conceituar é identificar o acontecer poético da realidade com um paradigma que serve de teoria funcional e explicativa. A realidade enquanto acontecer poético não tem explicação porque não pode ser reduzida a funções: é sendo. E enquanto sendo jamais pode ser reduzida a conceitos, pois sua vigência se dá sempre na questão. Conceituar enquanto identificar não é questionar.


- Manuel Antônio de Castro


9

O conceito enquanto captação (a palavra se forma do verbo latino cum-capere, o apreender reunindo os traços universais e deixando de lado as diferenças concretas, daí o seu caráter abstrato) e delimitação encontra sua operatividade máxima na matematização da phýsis, da "realidade": daí surge o conceito como algo preciso e a objetividade do conceito. Por isso, o conceito é um produto da ciência (só há ciência do universal, mas não do singular, muito menos do que dando-se se retrai, da voz como escuta ou silêncio). Contudo, a ciência é um produto da tekhné. No grego, tekhné significa conhecimento. Esta, enquanto conhecimento que nasce, se dá em dois sentidos. Se reunida à questão torna-se o contorno e a figura de eclosão da poíesis/vigor do poético, da phýsis que se desvela velando-se. Se se transforma na massa do conceito, torna-se a forma formal de objetivação e precisão da "coisa" como objeto. A tekhné é ambígua. Por isso possibilitou a sua tradução para o latim como ars, artis, de onde se originou nosso conceito de arte. Contudo, não se pode esquecer que Aristóteles fala de tekhnés poietikés. Mas na tradução só se assinalou, traidoramente, a tekhné. Isto possibilitou a redução da obra de poíesis à sua dimensão formal-conceitual através dos gêneros, estilos e correntes críticas. Aí a tekhné perdeu, como conceito, todo poder ambíguo, que é inerente à arte enquanto ela é essencialmente poíesis/vigor poético, ambiguidade . Nesse sentido, a poíesis/linguagem (Hermes) se tornou só tekhné fazendo da poíesis/linguagem algo instrumental, lógico e comunicativo. É a linguagem como código conceitual. Mas a obra de arte, porque é poíesis/vigor poético, manifesta a realidade sempre numa tensão inaugural.


-Manuel Antônio de Castro


10

Não é qualquer proposição afirmativa que se torna conceito. Isto acontece simplesmente porque há a proposição conceitual e outros tipos de proposição, sobretudo as da sintaxe poética. O conceito pressupõe uma proposição que na estrutura sujeito/objeto delimite, abstraia, precise, dê medida, seja lógico-racional, tenha pretensões universais, isto é, válidas independentemente de tempo e espaço. Uma afirmação-proposição pode-se tornar questão ou imagem/figura-questão. A proposição: "O pôr-de-sol do Arpoador peroliza de luz o mar" não é conceito, é figura-questão, pois a ela não corresponde nenhuma delimitação nem precisão nem medida exata. A exatidão lógica constrói a realidade dos conceitos, isto é, uma proposição conceitual. Contudo, se disser: "A não-verdade é a verdade de todas as verdades", isto é uma afirmação-questão porque aí não há um sentido lógico, preciso, delimitante, exato, racional. Aí se enuncia e afirma uma questão. Onde se dá a dialética ambígua de questão e conceito é na pergunta, se for de fato pergunta. Dependendo da resposta se reinstala a questão ou se cai num conceito.


- Manuel Antônio de Castro


11

Como surge o conceito? Diversas são as questões que levam ao conceito:
1ª - Muda/permanece
2ª - Limite/não-limite
3ª - Concreto/abstrato
4ª - Sentido/significado
5ª - Necessidade/liberdade
6ª - Substantivo/verbo
7ª - Vida/experienciação
8ª - Linguagem/língua
9ª - Velamento/desvelamento
10ª - Vazio/forma
Estas dimensões trazem para a discussão a tensão questão/conceito. Contudo, a dimensão essencial que diz respeito tanto à questão como ao conceito é a questão da verdade/não-verdade. A possibilidade de surgimento do conceito só foi possível pela passagem da alétheia/desvelamento para a homoiosis/semelhança como orthotes/correto (adequação entre enunciado e enunciação). A variabilidade no entendimento do conceito é exatamente o percurso das faces que toma a verdade como homoiosis/orthotes. E isto é acompanhado por quatro grandes mudanças:
1ª - palavra - proposição;
2ª - Hermes/dialética (daí as duas possibilidades de ler diá-logo; ou seja, o diá- como através de, onde o lógos é visto apenas como instrumento/língua; o diá- como entre, onde temos a tensão fala/silêncio ou desvelamento/finito/forma x velamento não-finito/vazio;
3ª - lógos/ratio (razão);
4ª - phýsis - poíesis x phýsis tekhné. Temos aqui uma sequência: proposição - lógos/lógica - (verdade) - tekhné/conhecimento sem poíesis. E daí surge a possibilidade de sujeito-predicativo, o conceito e o resultado de todos estes processos, mas a figura de verdade correlata ao do método é que dá o fundamento e completude do conceito e, por isso mesmo, o abandono da questão.


- Manuel Antônio de Castro


12

Sujeito e objeto tanto na filosofia como na gramática são conceitos. Toda a gramática - porque lógica - trabalha com conceitos.
Também é fundamental perceber que só se pode estabelecer o conceito na medida em que se estabelece um limite. Contudo, o limite, concretamente, nunca existe. Ele é uma invenção do cálculo/razão. Daí que o Lógos/discurso/verbo, entendido como razão, significa exatamente esse cálculo na medida em que se torna ratio, porção, ou seja, delimitação, medida. Mas, aí, medida diz da medida calculante e não da medida/meio/entre poética. Daí surgem as duas sintaxes, dependendo do sentido de medida. Por isso, conceito, medida, proposição são os referentes para o estabelecimento de sujeito e objeto, na medida é que todo objeto é objeto do sujeito. Ora tal medida se constitui a partir do deslocamento do verbo para a substância. O verbo/ser/questão se torna verbo de ligação, isto é, elo formal-gramatical da ligação lógico-conceitual de estabelecimento pelo sujeito, tornado medida, do objeto como conceito delimitado e calculado. Aí a linguagem, na mão da lógica-calculante, se torna representação. Só não se desconfiou que uma tal representação não é só do objeto mas sobretudo do sujeito. Isto porque, quando o sujeito diz, este diz não brota dele a não ser lógico-representacionalmente como oferta do dizer/verbo/ser ao sujeito que diz, pois tal dizer/verbo/ser não é fundado pelo sujeito, embora se dê numa representação do ser humano como lógos calculante, isto é, ratio. O conceito-lógico vive de um círculo vicioso: o conceito sujeito gera o conceito objetivo que, por sua vez, gera o conceito sujeito.


- Manuel Antônio de Castro


13

O traço essencial é sem dúvida o limite e por isso mesmo a abstração. Acontece que na medida em que perde a concretude do con-crescer, o conceito origina, como tal, uma representação e esta se desprende como conceito do movimento, do não-limite, e passa a se constituir em algo lógico e racional: é a dimensão epistêmica e não mais ontológica. Quando esse racional se torna número, temos a possibilidade da realidade virtual ou conceitual. Porém, a realidade não se manifesa apenas como número, ela já traz em si o retrair-se, o velar-se. Então a imagem, ao nos advir como virtual, realiza-se nela a imagem-questão, quando a realidade se manifesta retraindo-se. O retrair-se advém sempre como questão. Um filme, em realidade digital, não deixa de poder ser imagens-questões. Não podemos esquecer que o logos reduzido à razão como número e limite represenatacional não deixa de ser logos/linguagem. O conceito tambémo é concebido como racional, podendo corresponder ou não ao real. Mas aí o real diz respeito ao real representado e ao real da teoria, e não ao real da phýsis/nascividade. O conceito dá origem ao conceito de mímesis. O conceito só dá, como representação, uma identidade abstrata e jamais funda as diferenças. Por isso, como conceito, a morte se opõe à vida. Porém, a morte, como abismo da vida, proclama sempre a artificialidade do conceito, a sua insuficiência e a necessidade de superá-lo. Como delimitar vida e morte? A morte nos lembra, diante da vida, a questão que ela é e que o conceito silencia. A morte como conceito é o silenciamento do mistério que é a vida como sinal e sentido vivo e velante que é a morte: Morte e vida são mistérios e questões. O conceito nada sabe da questão e do mistério. O conceito, ao se constituir como limite abstrato, gera o controle. Deste lhe vem o imenso poder. A questão não gera poder porque não é precisa e não gera a verdade abstrata e de controle. Esta é inerente ao conceito. Por isso, todo poder se gera dentro do sistema. Porém, a questão gera autoridade que se funda na aprendizagem e na sabedoria. Édipo ao furar os olhos abandona o palácio e perde o poder, mas ganha imensa e misteriosa autoridade, pois se tornou, como imagem-questão do ser humano, a própria sabedoria se realizando concretamente.


- Manuel Antônio de Castro


14

O conceito como tal é uma questão, embora ele se encontre ligado aos sistemas e aos jargões. Os jargões é que constituem as ideologias. É importante destacar que o conceito é uma faceta fundamental do ser-entre. Nele e por ele o ser-entre se decide pelo limite, mas não deixa ainda de ser ambíguo: o conceito pode manifestar a ambiguidade e ser o caminho/decisão pela qual se volta à questão. Aí o limiar está na sua poíesis/dinâmica. O conceito como tal é ambíguo: pode gerar o sistema, os jargões e ideologias, os significados, os códigos; mas também pode ser o diá-logo da questão e na questão. Este limiar se dá na ambiguidade do Cuidado - curioso (questão/ser) e curiosidade.
P - Assim, enquanto andarilho da mensagem de desvelamento da duplicidade, o homem seria também o andarilho dos limites do ilimitado.
J - Nestas andanças, ele procura o mistério do limite... (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 107.


15

Foucault comete um grande equívoco no seu livro As palavras e as coisas. Na realidade, ele trata dos conceitos e das palavras. As coisas como coisas não passam pela sua reflexão. Simplesmente porque ele não se questiona sobre os conceitos e a sua base: o saber. Ele não questiona: O que é isto - o saber? E por que não questiona? Porque já sabe o que é saber e então vai examiná-lo na sua constituição histórica. Mas será que ele se pergunta: O que é isto - a história? Não, porque ele parte de uma visão sociológica, embora faça um excelente e renovador trabalho dentro dessa ótica. Ele não se pergunta pelo saber. Por quê? Porque o saber é uma questão e o horizonte dele são os conceitos. Na ordem em que é necessário aprofundar toda essa problemática, deveríamos seguir o seguinte caminho: as palavras e os conceitos, os conceitos e as questões, as questões e as coisas, as coisas e as palavras. Assim como há uma tensão entre conceitos e questões, a mesma se dá entre palavras e coisas. Como não questiona o saber e faz dele um a priori, passa muito longe da questão central e do pensamento: a coisa. Quem a tematiza poeticamente entre nós é Clarice Lispector e Manoel de Barros. Foucault vai partir das formações discursivas. Mas estas são da ordem dos conceitos e jamais das palavras. Ele nunca percebe o caráter radicalmente ambíguo das palavras. Ele não percebe a questão radical que é a linguagem, reduzindo-a ao código língua ou no dizer dele: a ordem do discurso. Porque o discurso como uma ordem social ainda está no horizonte dos conceitos.


- Manuel Antônio de Castro


16

"Na incessante fuga da formação e da transformação, a vida não pode ser definida no espaço restrito de uma definição" (1).


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: Revista Linha de Pesquisa, v. 1, nº 1, 2000, p. 45.
Ferramentas pessoais