Lugar-comum
De Dicionário de Poética e Pensamento
1
- A vida para a maioria é feita de lugares-comuns. Mas no fundo, bem fundo, querendo ser, mora a solidão encoberta na realidade distante dos sonhos que os lugares-comuns não deixam se desvelar. Eis porque o amor é o desvelo do próprio, porque os sentimentos não passam de lugares-comuns que fazem as vezes da solidão velada. E os sonhos reforçam sÃmbolos de uma realidade que nunca chega, dissimulada na aparente novidade dos lugares-comuns. Pensar o lugar-comum é uma tarefa constante para viver o próprio, quando então ele é superado. Superando o lugar-comum nos defrontamos com os desafios do agir ético e não mais com os valores impostos da moral. O fundamento da moral é o lugar-comum. O lugar-comum é o valor que auto-se-fundamenta.
2
- Se há blocos de conceitos e valores estabelecidos e repetidos pelos hábitos sócio-culturais em perfeita simbiose com a estrutura sintática e lógica da lÃngua das frases feitas, também há os seres humanos, ditos inovadores, espirituosos, de uma inventividade espontânea, sem qualquer pretensão de ser original, que superam o lugar-comum. A simplicidade é o grande momento de superação do lugar-comum.
3
- É importante ressaltar que os lugares-comuns não são só receitas do falar cotidiano. Eles são também mais frequentes num certo discurso erudito, acadêmico, com ares de sabedoria superior, reino do formal, mas que obtém a legitimação dos valores dominantes, normalmente referendados pela consagração das chamadas obras de arte, que seriam nesta ordem das coisas, o lugar do belo, do bom, do aceitável socialmente e do que é digno de ser adotado e ensinado. Ao formal falta, nesse caso, o verdadeiro. Este é decisivo. É o lugar do discurso dominante, daà a consagração e a acumulação e reprodução pelo sistema de formação, ou seja, de transmissão cultural. A cultura, em geral, é um depósito de lugares-comuns e de valores moralistas, que convivem com as grandes inovações. Destas surgem, historicamente, as diferentes épocas.
