Permanência

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 02h09min de 18 de Agosto de 2009 por Jun (Discussão | contribs)

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Quando se fala do ón na metafísica, geralmente, não se atenta para a questão que está no centro. Trata-se para o grego da questão da mudança e da permanência. A mudança é muito evidente. Mas o que é a permanência? Esta questão tem um fundo filosófico e ao mesmo tempo político. A pro-cura do substantivo e do subjectum se dá nesse âmbito, ou seja, mais especificamente, procura-se o con-ceito. Este vai estar ligado à verdade, que se vai opor à dóxa, à aparência. Mas esta se relaciona à mudança e, nesta, não há verdade. Por isso dóxa significa fundamentalmente opinião. Mas da opinião tratavam os sofistas. E aqui entra o aspecto político. Mas e o ontológico?
Três questões estão ligadas a esta dimensão: lógos, tékhne, poíesis. Entendê-las é entender as opções metafísicas nas quais os grandes pensadores Platão e Aristóteles nos lançam. Lógos, fundamentalmente, é o que perdura. Por isso, irá ser identificado com o fundamento e com o dizer. O verbo eíro, de onde se originou depois a retórica, não terá esta dimensão, pois a retórica funda as opiniões, tendo perdido o seu caráter de um dizer sagrado. Esse é substituído pelo dizer do lógos. Por isso, esse, enquanto dizer, como pro-posição, diz a verdade na medida em que é lógica. Mas, por outro lado, a verdade de uma tal lógica está ligada à pro-posição na sua constituição de sujeito e predicativo. Se bem observarmos, a verdade lógica sempre se deduz, desde que aceita a proposição constituída de sujeito e predicativo. Mas nesta o ser foi substituído pelo substantivo.
O que corresponde à verdade lógica é, por outro lado, o conhecimento técnico, ou seja, a tékhne é aquele conhecimento que permite o agir como permanência; não muda. A tékhne substitui o ser. Por isso, lógos e tékhne substituem a poíesis, pois esta está ligada à ação e a ação não é o fundo da mudança? Para afirmar a permanência e a verdade silencia-se a poíesis.
Mas qual é a essência do agir enquanto poíesis? É a mudança? Não. É mais. É um entre, é um acontecer-poético-apropriante. A filosofia abandonou a poíesis e fica entre: tékhne, epistéme e máthesis. A epistemologia nunca se abre para a poíesis, daí nunca conseguir se apropriar do próprio da arte, reduzindo-a a conceitos, quando, na verdade, a arte é e será sempre questão, onde se dá sempre a essência do agir. Devemos pensar não só a ação, mas também a não-ação. Não podemos esquecer que Aristóteles se centraliza na questão do agir, e por isso nos joga nos enigmas da enérgeia e da dýnamis.


- Manuel Antônio de Castro


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A mudança é visível e evidente por si. A grande questão é a permanência. E então temos algumas palavras no pensamento para apreender este grande enigma: identidade, memória, o mesmo, razão, conceito, essência, sujeito, lei, necessidade, preciso, medido. Mas isso gerou e gera uma oposição excludente. Por isso, Hegel tentou reconciliar essa oposição com o método dialético-especulativo, que, em vista disso, pretende não ser um método instrumental-gnosiológico, mas ontológico, pois no conceito absoluto (método especulativo) não há mais dicotomia entre pensar e ser.

Se tivermos em mente, no entanto, para reflexão o fragmento 123 de Heráclito: "a excessividade poética apropria-se no nada excessivo", percebemos que fica impensado em Hegel o krýptesthai, esse velar-se que nenhum conceito abrangerá, nem o vir-a-ser. No vir-a-ser devemos distinguir a negação como antítese que se re-flete e se torna espírito e o como do entre, em que acontece o krýptesthai. Heidegger faz desta questão a questão central do seu pensamento. E para isso repensa a questão da coisa, o que significa repensar a própria verdade e sentido do ser. Pensar o sentido é pensar o ser como questão, isto é, como verdade e não-verdade. Isso implica repensar a própria dinâmica e vigência do lógos como diá-logo. Esta dinâmica remete automaticamente para a tensão tékhne/poíesis e para a própria poíesis como integrante de phýsis, na dimensão da disputa originária da phýsis como desvelar e velar, ou seja, terra e mundo. Por isso, no parágrafo 110 de A origem da obra de arte (1), pensa-se a verdade como não-verdade, mas sem exclusão e oposição, e rejeita-se a solução de Hegel. Nesse aspecto, esse parágrafo é essencial. Por outro lado, o que aí não fica tematizado é a questão maior da poíesis, que, como essência do agir, automaticamente inclui mudança e permanência. A poíesis inclui ação e não-ação, mas esse não indica in-ação. Tal é o enigma da poíesis, da arte, da própria linguagem, pois todos os termos citados só vigem como questão na dimensão da linguagem, daí estar associada a lógos, interpretado como razão, quando o mais indicado é associar linguagem a poíesis. Esta é na vigência da phýsis a identidade máxima, o vigor da própria identidade enquanto a diferença das diferenças.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Manuel Antonio de Castro e Idalina Azevedo da Silva. Acessível em: Travessia Poética estritamente para uso acadêmico.
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