Morphe

De Dicionário de Poética e Pensamento

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:: [[Caminhar]] nas e com as [[questões]] dá o mesmo trabalho de limpar, arar, semear, plantar, o terreno e esperar a firme, mas lenta maturação do semeado para sua eclosão no e com o [[tempo]] propício. A semente para amadurecer precisa de três instâncias: a semente como tal, o terreno, o tempo de maturação. Notamos que a ação do homem - o trabalho - apenas agencia o que já tem ação em si mesmo, mas pelo ordenamento (''legein'') lhe dá [[sentido]]. Isso é o [[mesmo]] que [[questionar]] e [[aprender]], porque quem medra enquanto aprender é o que se é, a [[vida]] que se recebeu. Desse trabalho surge o formar do que chega a desabrochar (infelizmente muitas sementes e seres humanos estiolam antes disso tudo acontecer), mas também a forma das [[obras]] de [[arte]] (e dos [[utensílios]]) e do próprio [[ser humano]], que são indissociáveis, sendo impossível haver forma sem o triplo agir (trabalho em sentido amplo), onde se inclui e é necessário incluir o agir da [[natureza / ''physis'']], acima apresentado. Portanto, nada tem a ver com formalismos técnicos. Pelo contrário, é o que os gregos denominavam [[''morphe'']], a [[presença]] da [[forma]] enquanto presença do agir e realizar-se. É nesse sentido que a [[obra de arte]] é aquela onde se faz presente não apenas uma [[forma], mas onde nesta vigora o próprio agir enquanto presença do sentido. Se considerarmos que a forma, de alguma maneira, introduz o [[limite]], a presença enquanto sentido projeta o [[agir]] da obra para além do limite. É isso a ''morphe'', em sentido grego.
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: A [[palavra]] [[grega]] ''[[morphé]]'' se traduz em geral pela [[palavra]] [[latina]] [[forma]]:
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: "O que se põe em seus [[limite |limites]], integrando-os em sua perfeição e assim se mantém, possui [[forma]], ''[[morphé]]''. A [[forma]], entendida como os [[gregos]] a entendiam, retira sua essencialização de um pôr-se-a-si-mesma-dentro-dos-limites (''Sich-in-die-Grenze-stellen'')" (1). A [[forma]], entendida dentro do [[pensamento]] [[grego]], está diretamente ligada à [[questão]] do ''télos'' e do [[limite]]. ''Télos'' se traduz geralmente como [[fim]]: "Mas 'fim' não é entendido aqui no sentido negativo, como se alguma [[coisa]] já não continuasse e sim findasse e cessasse de todo. [[Fim]] é conclusão no sentido do grau supremo de plenitude. No sentido de per-feição. Pois bem, limite e fim constituem aquilo em que o [[ente]] principia a ser. São os [[princípio|princípios]] do [[ser]] de um [[ente]]" (2).
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) HEIDEGGER, Martin. '''Introdução à metafísica'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
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: (2) Idem, p. 88.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "A isto o que cada [[próprio]] é os [[gregos]] denominaram ''[[morphe]]''. Esta [[palavra]] indica, portanto, um vir de [[dentro]] para [[fora]] e nunca um [[impor]] [[limites]] a partir de [[algo]] [[externo]] e fixo. ''[[Morphe]]'' diz eclosão do que [[é]], [[desvelamento]] enquanto [[verdade]] de [[realização]]. ''[[Morphe]]'' é [[presença]]. Para o grego e para cada [[sendo]], nunca pode haver ''[[morphe]]'' sem ''[[telos]]'', isto é, sem eclosão ou [[desvelamento]] em sua [[plenitude]] de [[realização]]. Isso é o [[consumar]], enquanto [[pensamento]], a [[presença]]. Jamais ''[[morphe]]'' é [[forma]] [[funcional]] e [[causal]], isto é, o que cumpre uma [[finalidade]] como a [[forma]] de ser do [[utensílio]]. A [[forma]] imposta de fora e para [[algo]] de fora" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte: presença e forma". In: ------. '''Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015''', p. 221.

Edição atual tal como 16h24min de 15 de Abril de 2024

1

A palavra grega morphé se traduz em geral pela palavra latina forma:
"O que se põe em seus limites, integrando-os em sua perfeição e assim se mantém, possui forma, morphé. A forma, entendida como os gregos a entendiam, retira sua essencialização de um pôr-se-a-si-mesma-dentro-dos-limites (Sich-in-die-Grenze-stellen)" (1). A forma, entendida dentro do pensamento grego, está diretamente ligada à questão do télos e do limite. Télos se traduz geralmente como fim: "Mas 'fim' não é entendido aqui no sentido negativo, como se alguma coisa já não continuasse e sim findasse e cessasse de todo. Fim é conclusão no sentido do grau supremo de plenitude. No sentido de per-feição. Pois bem, limite e fim constituem aquilo em que o ente principia a ser. São os princípios do ser de um ente" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
(2) Idem, p. 88.

2

Caminhar nas e com as questões dá o mesmo trabalho de limpar, arar, semear, plantar, o terreno e esperar a firme, mas lenta maturação do semeado para sua eclosão no e com o tempo propício. A semente para amadurecer precisa de três instâncias: a semente como tal, o terreno, o tempo de maturação. Notamos que a ação do homem - o trabalho - apenas agencia o que já tem ação em si mesmo, mas pelo ordenamento (legein) lhe dá sentido. Isso é o mesmo que questionar e aprender, porque quem medra enquanto aprender é o que se é, a vida que se recebeu. Desse trabalho surge o formar do que chega a desabrochar (infelizmente muitas sementes e seres humanos estiolam antes disso tudo acontecer), mas também a forma das obras de arte (e dos utensílios) e do próprio ser humano, que são indissociáveis, sendo impossível haver forma sem o triplo agir (trabalho em sentido amplo), onde se inclui e é necessário incluir o agir da natureza / physis, acima apresentado. Portanto, nada tem a ver com formalismos técnicos. Pelo contrário, é o que os gregos denominavam morphe, a presença da forma enquanto presença do agir e realizar-se. É nesse sentido que a obra de arte é aquela onde se faz presente não apenas uma forma, mas onde nesta vigora o próprio agir enquanto presença do sentido. Se considerarmos que a forma, de alguma maneira, introduz o limite, a presença enquanto sentido projeta o agir da obra para além do limite. É isso a morphe, em sentido grego.


- Manuel Antônio de Castro

3

"A isto o que cada próprio é os gregos denominaram morphe. Esta palavra indica, portanto, um vir de dentro para fora e nunca um impor limites a partir de algo externo e fixo. Morphe diz eclosão do que é, desvelamento enquanto verdade de realização. Morphe é presença. Para o grego e para cada sendo, nunca pode haver morphe sem telos, isto é, sem eclosão ou desvelamento em sua plenitude de realização. Isso é o consumar, enquanto pensamento, a presença. Jamais morphe é forma funcional e causal, isto é, o que cumpre uma finalidade como a forma de ser do utensílio. A forma imposta de fora e para algo de fora" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte: presença e forma". In: ------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 221.