Mito

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 03h12min de 13 de março de 2009 por Andre Borges (Discussão | contribs)

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O ser humano se desdobra em diversas faces, mas a razão tende a tudo querer abarcar. No mito isso não acontece e não há a separação dessas faces, que seriam:
Conhecer
Pensar ______________ RAZÃO
Compreender
Querer
Desejar ______________ VONTADE
Questionar
Imaginar
Sonhar________________ IMAGINAÇÃO
Inventar
Crer __________________FÉ
Sentir
Apaixonar ____________ AFETIVIDADE / EMOÇÃO
Sensibilizar
      Mito   Arte   Religião  ____  AMAR


A ciência dividiu essa realidade complexa em três campos:
1- Racional
2- Volitivo
3- Afetivo


E a dois métodos:
1-Dedutivo-racional
2-Indutivo-experimental - observacional - estatístico


Porém, hoje as ciências cognitivas, antigas ciências do espírito, já se dão conta de que é essencial trazer para a questão não só a vida do homem, mas também sua vida experienciada no cotidiano. Porém, do cotidiano enquanto ordinário sempre falaram as artes, mas não para reproduzi-lo, mas surpreendê-lo e apreendê-lo na dimensão do extra-ordinário. Porque entre um e outro é que se dá o vigor do poético, o ditar do sagrado enquanto energia que a tudo realiza. Por isso, o mito se dá sempre no entre dos ritos enquanto acontecer dos mitos. Quando os ritos esquecem os mitos, começa a necessidade de criar o simbóliico. As ciências cognitivas se não ouvirem o poder do mito como presença na experienciação cotidiana do extraordinário estarão ainda tolhidas e surdas para a fala e voz do humano do homem.
A cultura: tudo que o homem faz, pensa, quer, sente e crê.

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Seria necessário pensar a referência/relação mito/escrita. Até onde a escrita abole o rito e deixa o mito entregue ao rito da escrita, gerando assim uma “perda” entre o rito do mito e o rito da escrita, que se refletiria na própria relação/referência linguagem/língua/narração. Cf. para isso as distinções (insuficientes) que faço no ensaio: Teoria literária: representação e ética.


Referência
www.travessiapoetica.blogspot.com

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O mito é a língua do sagrado. A linguagem é o sagrado se manifestando em língua. Por isso o mito é a linguagem de toda língua.


-Manuel Antônio de Castro

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Na poesia, o que se revela memória do mito é o apelo do logos para dizê-lo. Por isso, mais no silêncio e no vazio do que nas palavras, sons, gestos e cores, está presente o mito enquanto memória do silêncio da poesia. O rito é o logos se fazendo palavras, música, dança e pintura do mito.

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Os mitos no sentido moderno são: “... progresso, liberdade, igualdade e tantos outros criados pela razão moderna”. Ora estes mitos constituem a paidéia da *Bildung*. Dela se afasta a paidéia da poiesis.


Referência
SOARES, André Marcelo Machado. Nietzsche e Heidegger na teologia de Paul Tillich. In: Caderno de Letras. Faculdade de Letras. Departamento de Letras Anglo-Germânicas, Ufrj, no. 16, p. 127.

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“A recompensa, por se existir na ponte do tempo entre o silêncio e a fala, é avançar sempre e nunca parar.” (1) O mito é também o silêncio do rito. O rito é a fala do mito.


Referência
(1)LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis, Vozes, 1992, p.28.

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Uma reflexão da ligação do mito com a literatura e a arte está exposta na interpretação de SCHUBACK: “Ao narrar que Ulisses [Kafka] com cera nos ouvidos jamais poderia ouvir que as sereias não teriam cantado e, assim, descobrir que o mito seria ilusão, Kafka mostra que a literatura é itinerário para a verdade do mito. Literatura é a saga de Ulisses de volta para o mito”. (1) Não só Ulisses tapa os ouvidos com cera, mas as sereias não cantam: “Mais do que silêncio, elas deixam em cena o seu não-canto e assim a ausência de encantamento que constituem “armas ainda mais terríveis do que o canto” (2). O canto cotidiano nos enche de contentamento, mas nos pode obstruir o caminho para o não-encantamento, para o silêncio. E esta pode ser a verdade do mito, o supremo encantamento, a morte, porque depois que o silêncio fala, qualquer palavra é excessiva, cada um achou a sua plenitude. Ulisses ao ouvir o que não pode ser ouvido só se salva porque se amarra ao limite que toda fala implica. O máximo de limite da fala frente ao ilimitado de todo silêncio está na palavra cantada, onde o encantamento advém como real e como possível, como desvelado e velado, como ordinário e extraordinário, onde a ambigüidade se faz o uno de toda diversidade. A palavra cantada sendo sucessão de sons se faz sentido enquanto uno de toda realidade. Por isso o ritmo é o real se dando, se manifestando em formas no devir continuo da não-forma. Eis porque na pausa não há ritmo, só na fala cantada do silêncio.


Referências
(1) Schuback, Márcia Sá Cavalcante. "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de Filosofia. Petrópolis, Vozes, 1999, p.165.
(2) idem, p. 164.

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Emmanuel Carneiro Leão diz que a filosofia, mais que um conhecimento ou uma ideologia ou uma visão de mundo, é uma experiência de pensamento. “Mas essa experiência de pensamento que nós não sabemos ainda o que é precisamente não é a única experiência grega, nem a única experiência grega de pensamento. Outra experiência de pensamento é o mito, a mística. Outras são os deuses e o extraordinário. Ainda há uma outra, a poesia e a arte. Uma outra experiência de pensamento é a polis e a politéia, isto é, a organização, a ordem política da cidadania...uma outra... a primeira experiência grega de pensamento é a vida e a morte, Eros kai Thanatos.”(1). Penso que por essa riqueza de experiência de pensamento é que se dá a complexidade da linguagem (mito, logos, epos), a própria experiência de ser e não-ser.


Referência
(1)A filosofia grega hoje. In: Caderno de Letras. Faculdade de Letras, Departamento de Letras Anglo-Germânicas, 18, 2002, p. 21

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Na ficha "Mito número 1", apontam-se as três construções do real: filosofia, teologia, ciência. Mas elas não estão separadas, pois a ciência fragmenta a construção do homem e do real numa série de disciplinas. E cada uma de acordo com o seu objeto e método, nos propõe um entendimento do mito: antropologia, etnografia (ou etnologia), psicologia, psiquiatria, psicanálise, história. E dentro de cada disciplina ainda há as correntes. Isso numa primeira instância pulveriza o entendimento do mito, afastando-nos do seu vigor manifestativo e construtivo. Por outro lado, afirmando-se o mito um núcleo impenetrável, só ocasiona uma possibilidade de abertura para o sentido do mito no que o mito é: manifestação originária do real. Pensadas não as interpretações mas este núcleo indecifrável, se abre para nós a essência do mito, que é, no fundo, a essência da linguagem ou do real como totalidade cósmica. O que seja isto é o que o mito nos leva a pensar. E aqui se dá a diferença entre o mito como conhecimento e o mito como uma experiência de pensamento mítica. O mito em seu núcleo duro é sempre uma experiência de pensamento e não a formulação de um conhecimento. Quando se pensa a arte essencialmente se chega à questão do mito como experiência de pensamento, ou seja, à experiência de pensamento do sagrado. É o que Platão, no Íon, fala sobre a inspiração dos poetas pelas Musas.

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Consultar:
Torrano, JAA. O sentido de Zeus. São Paulo, Iluminuras, 1996, p. 25 e 26. (O mito na dinâmica do Canto e do Culto.)

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No mito deve ser considerado fundamentalmente o rito. O mito nos advém no rito. Mas quando consideramos o rito, constatamos que ele não é um conceito, nem, evidentemente, uma representação. Por isso, o rito se constitui na essência de sua poética mítica. Não temos só poética quando o mito nos dá a ritualização da própria linguagem, como no mito de Hermes. Todo rito pressupõe uma poética, pois todo rito reúne momentos de música, poesia, dança, pintura, escultura... O rito reúne as linguagens poéticas no mito como linguagem. A poética do mito se dá na consideração da tensão entre mito e rito.
Rito e mito se dão também como culto na cerimônia ritual. O que seria o culto? Diz Ronaldes: “...o culto explica a cultura que o desenvolve, e a cultura implica o culto que a envolve. Não subsiste a cultura senão enquanto existe o sortilégio da pulsão mítica que a dinamiza e da compulsão ritual que a potencializa. O ato cultual do conato pulsional é que processualiza o fato cultural. O mito dramaticamente ritualizado não é unicamente o prodigalizador das razões da sociedade, mas principalmente o inseminador das paixões da humanidade. A cultura persiste em sua duração histórica somente enquanto insiste na perduração mitológica do seu culto” (1).
Referência
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. Hermenêutica da concriatividade. Faculdade de Letras. Programa de Ciência da Literatura. Tese, 1988, p. 356.


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"O mito tem a força da verdade, a manifestação do real. O mito como palavra coloca a linguagem como a manifestação do ser. Nesse sentido, a linguagem também é mito. Ela restitui a essência ao ser. É a manifestação pela qual o real eclode em sua essência. Em grego, mythos originou-se do verbo mytheomai, que significa: desocultar pela palavra. Palavra essa, organizada na forma de discurso sagrado. Tem o sentido de palavra divina, através do canto poético aquecido como uma fonte referente ao sentido do ser e às formas divinas do mundo. Assim, dizemos que o mito aparece como o próprio real. O real a se doar, a eclodir como Linguagem"(1).


Referência
(1) GROETAERS, Elenice.A poética da noite em Vinicius de Moraes. São Paulo: Scortecci, 2007, p.58-59.

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"Mythos já diz o manifestar-se do real em sua essência originária, em ser o próprio extra-ordinário em seu vigor atuante, em sua concreticidade, pois o concreto é a vigência do vigente na pergunta que a questão nos põe. Todo mito é uma pergunta gerada pelas questões. Dialogar e interpretar os mitos é sempre experienciar como rito a resposta à pergunta que o mito sempre e permanentemente coloca" (1).


Referência
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Permanência e atualidade da Poética. In: Revista Tempo Brasileiro, 171, out.-dez., 2007, p. 11.


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"O mito, em seu vigor imperante, está presente, como não podia deixar de ser, em todos os momentos e acontecimentos do homem, Poesia que é" (1).


Referência
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético - a história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 39.


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