Entre

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:"Somente no âmbito do esforço é que o homem se esforça por "méritos". Somente assim ele consegue tantos méritos. Mas justamente nesse esforço e por esse esforço concede-se ao homem levantar os olhos para os celestiais. Não obstante esse levantar os olhos percorra toda direção acima rumo ao céu, permanece no abaixo da terra. Esse levantar os olhos mede o entre céu e terra. Esse entre possui uma [[medida]] comedida e ajustada ao habitar do homem. Chamaremos de [[dimensão]] a medida comedida, aberta através do entre céu e terra" (1).  
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:"Somente no âmbito do esforço é que o homem se esforça por "méritos". Somente assim ele consegue tantos méritos. Mas justamente nesse esforço e por esse esforço concede-se ao homem levantar os olhos para os celestiais. Não obstante esse levantar os olhos percorra toda direção acima rumo ao céu, permanece no abaixo da terra. Esse levantar os olhos mede o entre céu e terra. Esse entre possui uma [[medida]] comedida e ajustada ao habitar do homem. Chamaremos de [[dimensão]] a medida comedida, aberta através do entre céu e terra" (1).
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:Referência:
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ''Ensaios e conferências''. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 172.
:(1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ''Ensaios e conferências''. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 172.
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Edição de 20h49min de 28 de fevereiro de 2009

1

O entre, ao nos projetar nos interstícios da liminaridade, se desdobra em duas facetas. A primeira é a tensão. Esta indica a questão da harmonia como tensão de opostos, mas onde estes opostos de alguma maneira se manifestam, ora se dando um, ora se dando outro. Enquanto tensão de opostos na manifestação do "entre" como harmonia, é que podemos falar de complementaridade. Por exemplo, dia e noite, onda e partícula, mito e rito, masculino e feminino, apolínio e dionisíaco etc. A segunda faceta é a disputa. Esta já indica o "entre" na sua radicalidade, onde não há complementaridade, porque esta sempre se refere à ordem do manifestável. Na disputa há muito mais do que tensão. Nela comparece o próprio abismo. Seu exemplo fundamental é vida e morte. Não dá para saber o que é morte. Ninguém voltou para dizer a sua experienciação. Nela, não há complementaridade nenhuma, pois esta, em-si, se funda na negação. Já a disputa funda a tensão, mas não o contrário, porque tal fundar é abismal. É a morte. Outro exemplo é mundo e terra. Outro é nada e ente. Outro é silêncio e voz. Enfim, é o vazio e a teia. Por mais que a teia se expande tanto mais o vazio a concerne, cerca, funda e se retrai. O pensamento oriental fala de dezoito modos do vazio. Há, portanto, aí uma disputa e não simplesmente uma tensão. Na disputa, o próprio "entre" se vê engolfado pelo nada. É o silêncio misterioso de Édipo no final da tragédia "Édipo em Colona". Para entender o engolfar o "entre", pelo nada, é necessário ter em mente que o "entre" é a própria presença do nada em seu mistério. No fragmento 123: phýsis krýptesthai phileî, de Heráclito, a phýsis manifestada pode ser onda e/ou partícula, mas o krýptesthai, não. Este é abismal, o silêncio que funda e possibilita toda voz, toda presença, toda manifestação.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:

2

"Somente no âmbito do esforço é que o homem se esforça por "méritos". Somente assim ele consegue tantos méritos. Mas justamente nesse esforço e por esse esforço concede-se ao homem levantar os olhos para os celestiais. Não obstante esse levantar os olhos percorra toda direção acima rumo ao céu, permanece no abaixo da terra. Esse levantar os olhos mede o entre céu e terra. Esse entre possui uma medida comedida e ajustada ao habitar do homem. Chamaremos de dimensão a medida comedida, aberta através do entre céu e terra" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 172.


Ver também:

3

A questão da medida surge naturalmente ao homem pelo simples fato de que ele se experiencia como homem na medida da sua liminaridade. Mas se há, e há, liminaridade, qual a sua medida? Na realidade, a questão colocada diz do próprio do ser humano. E perguntar pela medida da liminaridade, ou seja, do próprio do ser humano, é perguntar pelo "entre". Este, como medida, radica na dupla tensão de distância e proximidade e de humanos e divinos e de Céu e Terra. É nesse sentido de tensão que o "entre" é medida. O que então é medida? Reflete-se a respeito profundamente no ensaio referido.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Petropólis: Vozes, 2002, pp. 165-181 (especialmente no § 15 e seguintes. Sobre o lugar central do "entre" ver p. 172, § 1).

4

O entre preside a mais radical dimensão do real, isto é, do ser e não-ser. Certamente, ele está claro no fragmento 123 de Heráclito: Phýsis kryptestai philei - A phýsis ama velar-se, em que o "entre" corresponde ao philei, pois significa: ama, ou seja, o apropriar-se do que é próprio. O amor é o vigor do "entre".

5

No desenvolvimento da complexidade do entre é necessário pensar a sua referência à mediação e à medida. Para isso é necessário relacionar o entre ao caminho, ao método, na medida em que como entre, método se torna "mediação" e "medida", mas, claro, onde a "medida" não vem do método como pretende a metodologia, mas do ser/real que, como poiesis (o vigor do poético) se faz e dá como medida de verdade e não-verdade do ente. Conferir abaixo.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". In: ____. Ensaios e conferências. Petróplis: Vozes, 2002.

6

"Entre" pressupõe sempre duplicidade e ambiguidade, pois essa palavra diz exatamente da radicalidade ser e ente. "A linguagem é, portanto, o que prevalece e carrega a referência do homem com a duplicidade ENTRE ser e ente. A linguagem decide a referência hermenêutica" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: ____. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 97.

7

"Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio" (1).
Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. 3.e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972, p. 117.