Diálogo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 05h27min de 4 de Agosto de 2010 por Lio (Discussão | contribs)

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Podemos falar no diálogo de quatro instâncias: o eu, o outro, o lógos, o diá-. O lógos funda os três diálogos. Porém, no diálogo há algo bem mais complexo. Podemos então considerar seis instâncias:
1ª Essência do diálogo como disputa (1), (2);
2ª Essência da obra de arte como disputa dialógica;
3ª Essência do pensamento como diálogo (disputa entre as diferentes obras dos pensadores);
4ª Essência do pensamento como diálogo/disputa com: a) Phýsis/Ser; b) Ser-humano; c) Arte;
5ª Essência da poíesis como diálogo de disputa de poíesis e pensamento, ou seja, poesia pensante e pensamento poético;
6ª Essência, do ponto de vista do ser-humano: o agir dele no fazer obras ou desvelar, como diálogo/disputa. Então aqui o Diálogo se dá como Leitura. O interpretar é, portanto, um diálogo ético, porque todo interpretar é um interpretar-se pela escuta do lógos. "De todas as coisas a guerra é pai, de todas as coisas é senhor; a uns mostrou deuses, a outros, homens; de uns fez escravos, de outros, livres" (3).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
(2) HERÁCLITO. "Fragmento 53". In: ANAXIMANDRO; HERÁCLITO; PARMÊNIDES. Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991.
(3) Idem, p. 73.


Ver também:

2

"Ninguém pode fazer uso do que os outros são, nem mesmo uso mental" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 62.


3

Há a passagem nº III do ensaio de Heidegger: "Hölderlin et l'essence de la poésie", onde Heidegger discute a essência do diálogo, a partir de verso do Hölderlin: "Depuis que nous sommes un dialogue. Et que nous pouvons ouir les uns les autres" (1). Há aí o grande tema da escuta e da fala ligado ao diálogo.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Approche de Hölderlin. Paris: Gallimard, 1973, p. 48.


4

Souza faz uma reflexão sobre o eu: a questão do olhar ("O olho não vê a si mesmo") e a questão do espelho. Vê, também, a relação sujeito e objeto enquanto projeção do eu.


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: Linha de pesquisa - Revista de Letras da UVA, Rio de Janeiro, Ano I, Nº 1, out. de 2000, pp. 34-5.


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"De um diálogo faz parte que seu falar fale do mesmo e isso de um pertencer ao mesmo."
"O pensar, porém, é o poematizar da verdade do ser no diálogo historial dos pensadores" (1).


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". In: Pré-Socráticos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 25.
(2) ibidem, p. 47.


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É do diálogo que seu falar fale do mesmo. E isso a partir de um co-pertencimento ao mesmo dos dialogantes. Na palavra portuguesa diálogo, o mesmo é o próprio lógos, ou seja, a Linguagem enquanto mundo e memória. Só porque co-pertencemos ao lógos e ele fala é que, se escutarmos, podemos dialogar, na medida em que a fala, como identidade, funda as diferenças de eu e tu, de masculino e feminino, de ser e não-ser. É no sentido do mesmo que a Linguagem é a mãe de todas as línguas.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


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Em sua essência, o diálogo é dramático e não uma questão formal de narrativa direta. A estrutura dramática do diálogo surge a partir da essência dramática do real-ser-humano como entre-ser. As figurações narrativas todas provêm desta essência do real-ser-humano. Por isso, o narrar está ligado ao conhecer, mas este não se constitui em si pelo narrar e, sim, pela conjuntura hermenêutico-poético-ontofenomenológica. Esta se dá no horizonte da compreensão como pre- e entre-compreensão. É o que Heidegger trata em Ser e tempo como Vorhabe/o ter prévio, "Vorsicht/o ver prévio e Vorgriff/o perceber prévio. Mas estes se manifestam no ser-humano porque este é essencialmente um Da, um Entre.
Neste sentido, as tradicionais divisões dos gêneros são as figurações dos três diálogos: o diálogo comunicativo (as coisas fazem parte essencial dos diálogos, daí a difícil e quase impossível caracterização da coisa) é a narração épica e a narração do romance. O autodiálogo é o lírico. E o dramático é o heterodiálogo, ou seja, a vigência ambígua das conjunturas na disputa de um eu e de um tu. O que vai ser comum aos três diálogos, que lhes dá unidade e identidade nas diferenças, é o lógos/linguagem. É claro que esta divisão é apenas indicativa e muito conceitual, pois aí se perderiam as diferenças e a originalidade de cada obra. Mas de qualquer maneira a densidade dialogal acompanha sempre as obras de arte da palavra. O que deve ser entendido agora como dramático é algo que está para além do formal narrativo. Todo diálogo se funda num entre, dual e ambíguo. É neste sentido que é tomada a palavra dramático no início desta ficha. O prefixo de diá-logo, diá- significa: através de; entre.


- Manuel Antônio de Castro


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Ler um autor poeticamente é se apropriar do que lhe é próprio como pensamento do a-ser-pensado. Se alguém é heideggeriano, marxista, nietzscheano ou coisa semelhante, não é o que lhe é próprio, é um simulacro, uma representação da manifestação do que alguém é. E cada um é convidado e convocado sempre e sempre a ser o que lhe é próprio. Esse ser próprio se dá no diálogo com os outros, mas só e tão-somente na medida do lógos: a linguagem. Por esta e nesta seremos uma co-letividade dialogante e aí o outro - Heidegger, Marx, Nietzsche, Platão, ou seja quem for, comparece como co-lega dialogante da aventura e ventura do a-ser-pensado, do ser questionado e experienciado. A um tal diálogo se chama diálogo de diferenças. Por isso, a todo diálogo precede e se faz presente um questionar.


- Manuel Antônio de Castro


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