Corpo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 04h46min de 9 de Maio de 2009 por Andre Borges (Discussão | contribs)

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A exigência moderna de se partir do ser humano, impõe que se pense e compreenda o entre-ser como corpo. Esse "corpo" se constitui e se figura no poder-ser como questão, em que ela é poético-onto-fenomenologicamente o pro-jeto das possibilidades do poder-ser como disposição e compreensão. Como entre-ser o corpo é a Cura e as pro-curas, e reúne em-si e no para-si, como abertura dada pela Cura, mundo e verdade. A nossa condição "corporal" é ser-no-mundo, ser-em e ser-com. Realizar o projeto do entre-ser e o entre-ser do projeto é realizar o poder-ser inerente ao entre, à Cura. E isso é realizar o corpo. Realizar o corpo é realizar o ser-humano como Entre-ser. Tal realização se dá na medida em que o corpo se torna obra de arte, ou seja, o sentido do entre-ser.


- Manuel Antônio de Castro


2

As recentes descobertas da genética podem esclarecer nossa compreensão do corpo e da alma. O que Fritjof Capra afirma no livro A teia da vida (São Paulo: Cultrix, 2004) é que cada célula é uma parte que, em si, contém o todo. O que ocorre em micro ocorre em macro. É o código genético que sempre comparece e desfaz a visão tradicional metafísica, acentuada pelo cartesianismo. Capra fala de reciclagem e resíduos no processo de a célula se produzir e reproduzir, produzindo o próprio código genético. Guimarães Rosa no conto "Nada e a nossa condição" (Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967) mostra, no final, a "cremação" do corpo/casa e depois de um ascender acima da montanha numa transfiguração misteriosa, onde luz e trevas não se distinguem, descem à Terra as cinzas. Resíduos? Mas não são as cinzas que refertilizam a terra-mãe? Contudo, há algo mais complexo: a relação do código genético com a Moira/destino, ou seja, a realização de cada um em seu sentido. A genética não fala da realização do corpo como sentido e experienciação de vida. A reunião da genética com o sentido da vida dá-se no mito de "Cura", de Higino. Trata-se de refletir aí sobre a ação em seu sentido originário. Temos ser, conhecer e dizer, inter-ligados. Aí o enigma se dá em torno do "inter", que é o solo comum onde cresce o ser, o conhecer/perceber e o dizer (em grego: on/einai, noein, leguein). É a ação e seu sentido que dão o alcance de cada um desses três núcleos. Mas uma tal ação provém do "inter". Ora, no ser humano, o "código genético", se comparado com o de um outro qualquer on/ente, mostra uma diferença radical: se, por um lado, já lhe é doado, por outro, o "seu sentido" vem do agir que une einai/ser, noein/perceber, leguein/dizer. Porém, um tal agir tende para a sua plenitude de sentido na medida em que há uma transfiguração, mas num nível e densidade que vão além do que ocorre na célula de uma planta. Na cadeia da vida, vida e morte são um processo em diferentes escalas de metabolismo, reciclagem e resíduos. Contudo, o que isso quer dizer em termos do ser humano, enquanto o humano do ser humano? Não seria o que Rosa nos diz? Mas então como distinguir corpo e alma? Não podemos considerar o corpo como algo apenas, mas o que nesse algo se realiza como mundo e sentido. E é neste horizonte que deve ser considerada nossa finitude frente ao não-finito.


- Manuel Antonio de Castro

3

Descartes separa o ser-humano-corpo em duas realidades: res cogitans/realidade pensante e res extensa/realidade extensa. Essa divisão é a base da modernidade, daí a dificuldade de hoje pensar o corpo como um todo. Não só isso, experienciá-lo como um todo. A argumentação da consciência, determinando não só o ser mas o próprio real/corpo só é aceitável se admitirmos a dicotomia cartesiana. Isso levou a entender a leitura apenas como um exercício racional-silencioso ou em voz alta, mas do qual se afastou o corpo. A tripla leitura de voz-razão, música e dança procura resgatar a leitura-corpo. Mas essas três só são possíveis a partir da escuta do que se é. No que se é, nunca há dicotomia cartesiana. As observações de Freud não seriam, no fundo, sobre a recusa do corpo como um todo?


- Manuel Antônio de Castro


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Pode-se pensar o corpo como conceito ou como questão. E, então, tudo será diferente em relação ao e em nossa relação com o corpo. No corpo como que todas as filosofias, religiões e teorias científicas são aí contidas, incorporadas. Mas quando deixamos o corpo ser, ele se tornará corpo-poesia e corpo-pensamento. O corpo como corpo é sempre insólito, admirável, misterioso, mágico. Deixar o corpo ser corpo, pensar o corpo, eis a questão. Toda obra-de-arte é um corpo se é obra-de-arte. Não importa a Musa que a preside.


- Manuel Antônio de Castro


5

"A instituição de um mundo, de uma totalidade sem corpo, des-concretiza este mesmo mundo numa conformação de mundo das ideias, em última instância, num mundo sem realidade", constituído de formas ideais acessadas e tornadas conhecidas por meio de conceitos genéricos, que por sua vez compreendem as unidades como elementos dóceis à identidade" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 54.
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