Historiografia
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113. | :(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113. | ||
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+ | : (1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". Trad. Ernildo Stein. In: ''Os pré-socráticos - fragmentos, doxografia e comentários''. Coleção ''Os pensadores''. Seleção de textos de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 22. | ||
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+ | : (1) HEIDEGGER, Martin. ''Introdução à metafísica''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 70. |
Edição atual tal como 14h56min de 21 de Outubro de 2017
1
- "Enquanto modo de assenhoreamento técnico da história passada, a historiografia talvez constitua o muro de bloqueio que o homem moderno estratificou diante do passado vigente e da simplicidade de seu milagre" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 206.
- Ver também:
2
- A historiografia é uma parte menor da memória. Nenhuma obra de arte tem como questão central a historiografia (mesmo os romances históricos). A historiografia é sempre incidental e acidental em toda grande obra de arte. Não que não se inter-esse por ela, mas porque se centraliza sempre na memória como acontecer poético. Na e pela memória toda ficção, como "matéria vertente", se plasma, se figura na teia da vida pela ambiguidade do que foi, é e será. Não podemos simplesmente confundir historiografia com história como se faz em geral. O tempo acontecendo como memória é a história enquanto acontecer poético. A redução da memória ao tempo cronológico e seu estudo é o que se denomina historiografia.
- Ver também:
3
- Um dos aspectos mais importantes do tempo como questão é a diferença entre história e historiografia. Para a história, o mais importante diz respeito ao tempo como questão. Já na historiografia o mais importante é a sucessão das representações da questão no que esta tem de mais superficial, porque vistas apenas na sucessividade ou numa determinada interpretação, como é o caso do lógos enquanto ideia e enunciado, ou seja, como "lógica gramatical". Em termos de atitude intelectual e profissional, isso é fundamental. Heidegger insiste muito nisso: "É por aprendermos isso e somente isso que aprendemos a pensar" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, pp. 285-6.
4
- "Perdida a dimensão originária do tempo, a historiografia fixou-se no que passou. Como se o homem fosse estático e não fundamentalmente um projeto. Só tem olhos para os fatos, os feitos. O histórico não pode ser reduzido aos fatos na medida em que não abarca o presente em tensão com o porvir. Esta dimensão integradora, essencialmente histórica, se dá no acontecimento" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético – A história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 42.
5
- "A apropriação da história pela historiografia institui o predomínio do meio, do instrumento, do suporte sobre a própria realidade. A realidade passa a padecer e a imprescindir do suporte. Esta ingênua crença no predomínio do suporte é responsável pelo simulacro de evolução que atinge, não só a história, mas toda a Cultura Ocidental" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113.
6
- A crono-logia deu origem às dualidades e, portanto, à historiografia. É que o tempo foi compreendido dentro do numérico, do que pode ser medido, daí se originando a linearidade e o domínio desse tempo enquanto passado, presente e futuro. É o princípio da causalidade determinado pela lógica. A lógica da historiografia está na crono-logia, ou seja, na lógica do tempo calculado, que tem por finalidade a intervenção e controle da realidade.
7
- "Entretanto, é possível apresentar e expor a aurora de uma idade do mundo de outra maneira que através dos recursos da historiografia? Talvez a historiografia ainda seja para nós um meio incontornável de presentificar o historial. Mas isso não significa, de maneira alguma, que a historiografia, tomada em si mesma, possa constituir uma relação suficiente com o historial no seio da História". (1)
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". Trad. Ernildo Stein. In: Os pré-socráticos - fragmentos, doxografia e comentários. Coleção Os pensadores. Seleção de textos de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 22.
8
- "História, entendida como acontecer, é o agir e sofrer pelo presente, determinado pelo futuro e que assume o pretérito vigente" (1). E é nesse horizonte de dar-se e velar-se que deve ser pensada cada época e, evidente, o suceder, acontecer das épocas. Estas desenham o horizonte de toda possível historiografia, caso contrário, não poderia haver historiografia, pois não seria possível apreender o sentido do acontecer que as funda: ser e tempo, sem os quais não podem ser pensadas as épocas e, portanto, a historiografia e a cronologia, uma mera contagem e datação de datas, ou seja, o tempo reduzido ao numérico.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 70.