Historiografia

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Delume Dumará, 1998, p. 206.
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:A historiografia é uma parte menor da [[memória]]. Nenhuma obra de [[arte]] tem como questão central a historiografia (mesmo os romances históricos). A historiografia é sempre incidental e acidental em toda grande [[obra]] de arte. Não que não se inter-esse por ela, mas porque se centraliza sempre na memória como acontecer poético. Na e pela memória toda [[ficção]], como "matéria vertente", se plasma, se figura na teia da vida pela ambigüidade do que foi, é e será. Não podemos simplesmente confundir historiografia com história como se faz em geral. O [[tempo]] acontecendo como memória é a história enquanto acontecer poético. A redução da memória ao tempo cronológico e seu estudo é o que se denomina historiografia.
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:A historiografia é uma parte menor da [[memória]]. Nenhuma obra de [[arte]] tem como questão central a historiografia (mesmo os romances históricos). A historiografia é sempre incidental e acidental em toda grande [[obra]] de arte. Não que não se inter-esse por ela, mas porque se centraliza sempre na memória como [[acontecer]] poético. Na e pela memória toda [[ficção]], como "matéria vertente", se plasma, se [[figura]] na teia da vida pela ambiguidade do que foi, é e será. Não podemos simplesmente confundir historiografia com história como se faz em geral. O [[tempo]] acontecendo como memória é a história enquanto acontecer poético. A redução da memória ao tempo cronológico e seu estudo é o que se denomina historiografia.
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:Um dos aspectos mais importantes do tempo como questão é a diferença entre História e historiografia. Para a [[História]], o mais importante diz respeito ao [[tempo]] como [[questão]]. Já na historiografia o mais importante é a sucessão das [[representação|representações]] da questão no que esta tem de mais superficial, porque vistas apenas na sucessividade ou numa determinada [[interpretação]], como é o caso do ''[[lógos]]'' enquanto [[ideia]] e enunciado, ou seja, como "lógica gramatical". Em termos de atitude intelectual e profissional, isso é fundamental. Heidegger insiste muito nisso: "É por aprendermos isso e somente isso que aprendemos a pensar." (1)  
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:Um dos aspectos mais importantes do tempo como questão é a diferença entre história e historiografia. Para a [[história]], o mais importante diz respeito ao [[tempo]] como [[questão]]. Já na historiografia o mais importante é a sucessão das [[representação|representações]] da questão no que esta tem de mais superficial, porque vistas apenas na sucessividade ou numa determinada [[interpretação]], como é o caso do ''[[lógos]]'' enquanto [[ideia]] e enunciado, ou seja, como "[[lógica]] [[gramática|gramatical]]". Em termos de atitude intelectual e profissional, isso é fundamental. Heidegger insiste muito nisso: "É por aprendermos isso e somente isso que aprendemos a pensar" (1).
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 285-286.
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, pp. 285-6.
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:"Perdida a dimensão originária do tempo, a historiografia fixou-se no que passou. Como se o homem fosse estático e não fundamentalmente um projeto. Só tem olhos para os fatos, os feitos. O histórico não pode ser reduzido aos fatos na medida em que não abarca o presente em tensão com o porvir. Esta dimensão integradora, essencialmente histórica, se dá no acontecimento" (1).
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:"Perdida a dimensão [[originário|originária]] do [[tempo]], a historiografia fixou-se no que passou. Como se o homem fosse estático e não fundamentalmente um projeto. Só tem olhos para os fatos, os feitos. O [[histórico]] não pode ser reduzido aos fatos na medida em que não abarca o presente em tensão com o porvir. Esta dimensão integradora, essencialmente histórica, se dá no acontecimento" (1).
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:(1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''O acontecer poético'' - a história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 42.
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:(1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''O acontecer poético'' – ''A história literária''. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 42.
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:"A apropriação da história pela historiografia institui o predomínio do meio, do instrumento, do suporte sobre a própria realidade. A realidade passa a padecer e a imprescindir do [[suporte]]. Esta ingênua crença no predomínio do suporte é responsável pelo simulacro de evolução que atinge, não só a história, mas toda a Cultura Ocidental" (1).
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:"A apropriação da [[história]] pela historiografia institui o predomínio do meio, do [[instrumento]], do suporte sobre a própria realidade. A [[realidade]] passa a padecer e a imprescindir do [[suporte]]. Esta ingênua crença no predomínio do suporte é responsável pelo simulacro de [[evolução]] que atinge, não só a história, mas toda a [[Cultura]] Ocidental" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113.
:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113.
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:A crono-logia deu [[origem]] às [[dualidades]] e, portanto, à historiografia. É que o [[tempo]] foi compreendido dentro do numérico, do que pode ser medido, daí se originando a linearidade e o domínio desse tempo enquanto [[passado]], [[presente]] e [[futuro]]. É o [[princípio]] da [[causalidade]] determinado pela [[lógica]]. A lógica da historiografia está na crono-logia, ou seja, na lógica do tempo calculado, que tem por [[finalidade]] a intervenção e controle da [[realidade]].
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: "Entretanto, é possível apresentar e expor a aurora de uma idade do [[mundo]] de outra maneira que através dos recursos da historiografia? Talvez a historiografia ainda seja para nós um meio incontornável de presentificar o historial. Mas isso não significa, de maneira alguma, que a historiografia, tomada em si mesma, possa constituir uma [[relação]] suficiente com o historial no seio da [[História]]". (1)
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". Trad. Ernildo Stein. In: ''Os pré-socráticos - fragmentos, doxografia e comentários''. Coleção ''Os pensadores''. Seleção de textos de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 22.
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: "[[História]], entendida como [[acontecer]], é o [[agir]] e sofrer pelo [[presente]], determinado pelo [[futuro]] e que assume o pretérito vigente" (1). E é nesse [[horizonte]] de [[dar-se]] e [[velar-se]] que deve ser pensada cada [[época]] e, evidente, o suceder, [[acontecer]] das [[épocas]]. Estas desenham o [[horizonte]] de toda possível [[historiografia]], caso contrário, não poderia haver [[historiografia]], pois não seria possível [[apreender]] o [[sentido]] do acontecer que as funda: [[ser]] e [[tempo]], sem os quais não podem ser pensadas as [[épocas]] e, portanto, a [[historiografia]] e a [[cronologia]], uma mera contagem e datação de datas, ou seja, o [[tempo]] reduzido ao numérico.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Introdução à metafísica''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 70.

Edição atual tal como 14h56min de 21 de Outubro de 2017

1

"Enquanto modo de assenhoreamento técnico da história passada, a historiografia talvez constitua o muro de bloqueio que o homem moderno estratificou diante do passado vigente e da simplicidade de seu milagre" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 206.


Ver também:

2

A historiografia é uma parte menor da memória. Nenhuma obra de arte tem como questão central a historiografia (mesmo os romances históricos). A historiografia é sempre incidental e acidental em toda grande obra de arte. Não que não se inter-esse por ela, mas porque se centraliza sempre na memória como acontecer poético. Na e pela memória toda ficção, como "matéria vertente", se plasma, se figura na teia da vida pela ambiguidade do que foi, é e será. Não podemos simplesmente confundir historiografia com história como se faz em geral. O tempo acontecendo como memória é a história enquanto acontecer poético. A redução da memória ao tempo cronológico e seu estudo é o que se denomina historiografia.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:

3

Um dos aspectos mais importantes do tempo como questão é a diferença entre história e historiografia. Para a história, o mais importante diz respeito ao tempo como questão. Já na historiografia o mais importante é a sucessão das representações da questão no que esta tem de mais superficial, porque vistas apenas na sucessividade ou numa determinada interpretação, como é o caso do lógos enquanto ideia e enunciado, ou seja, como "lógica gramatical". Em termos de atitude intelectual e profissional, isso é fundamental. Heidegger insiste muito nisso: "É por aprendermos isso e somente isso que aprendemos a pensar" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, pp. 285-6.

4

"Perdida a dimensão originária do tempo, a historiografia fixou-se no que passou. Como se o homem fosse estático e não fundamentalmente um projeto. Só tem olhos para os fatos, os feitos. O histórico não pode ser reduzido aos fatos na medida em que não abarca o presente em tensão com o porvir. Esta dimensão integradora, essencialmente histórica, se dá no acontecimento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poéticoA história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 42.

5

"A apropriação da história pela historiografia institui o predomínio do meio, do instrumento, do suporte sobre a própria realidade. A realidade passa a padecer e a imprescindir do suporte. Esta ingênua crença no predomínio do suporte é responsável pelo simulacro de evolução que atinge, não só a história, mas toda a Cultura Ocidental" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 113.


6

A crono-logia deu origem às dualidades e, portanto, à historiografia. É que o tempo foi compreendido dentro do numérico, do que pode ser medido, daí se originando a linearidade e o domínio desse tempo enquanto passado, presente e futuro. É o princípio da causalidade determinado pela lógica. A lógica da historiografia está na crono-logia, ou seja, na lógica do tempo calculado, que tem por finalidade a intervenção e controle da realidade.


- Manuel Antônio de Castro


7

"Entretanto, é possível apresentar e expor a aurora de uma idade do mundo de outra maneira que através dos recursos da historiografia? Talvez a historiografia ainda seja para nós um meio incontornável de presentificar o historial. Mas isso não significa, de maneira alguma, que a historiografia, tomada em si mesma, possa constituir uma relação suficiente com o historial no seio da História". (1)


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". Trad. Ernildo Stein. In: Os pré-socráticos - fragmentos, doxografia e comentários. Coleção Os pensadores. Seleção de textos de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 22.


8

"História, entendida como acontecer, é o agir e sofrer pelo presente, determinado pelo futuro e que assume o pretérito vigente" (1). E é nesse horizonte de dar-se e velar-se que deve ser pensada cada época e, evidente, o suceder, acontecer das épocas. Estas desenham o horizonte de toda possível historiografia, caso contrário, não poderia haver historiografia, pois não seria possível apreender o sentido do acontecer que as funda: ser e tempo, sem os quais não podem ser pensadas as épocas e, portanto, a historiografia e a cronologia, uma mera contagem e datação de datas, ou seja, o tempo reduzido ao numérico.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 70.