Escuta

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Heráclito no fragmento 50 fala do ''[[lógos]]'' como escuta, certamente porque o ''leguein'' além de significar reunir quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do ''lógos'' não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o [[real]] se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é álgo, é real, é o real se dando como fala, como [[verdade]] e se retraindo e velando como [[não-verdade]]. Então escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fica mais claro, se é possível, que um outro modo de escuta do real é a [[visão]]. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como [[presença]], onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria [[clareira]] onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do [[sendo]]. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do [[corpo]], onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o ''lógos'' que a tudo põe, reúne e diz.
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:Heráclito, no fragmento 50, fala do ''[[lógos]]'' como escuta, certamente porque o ''léguein'' além de significar reunir, quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do ''lógos'' não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o [[real]] se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é algo, é real, é o real se dando como fala, como [[verdade]] e se retraindo e velando como [[não-verdade]]. Então escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fica mais claro, se é possível, que um outro modo de escuta do real é a [[visão]]. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como [[presença]], onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria [[clareira]] onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do [[sendo]]. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do [[corpo]], onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o ''lógos'' que a tudo põe, reúne e diz.
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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:"O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).
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:"O co-responder, em que o [[homem]] escuta propriamente o apelo da [[linguagem]], é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples [[proposição]], esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 168.
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 168.
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:"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um ser cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos dizer que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um pensamento que se coloca à disposição da força" (1).
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:"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um [[ser]] cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos [[dizer]] que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um [[pensamento]] que se coloca à disposição da força" (1).
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(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista ''Tempo Brasileiro'', Rio de Janeiro, 164: 179/188, jan.-mar., 2006, p.182.
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:(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.

Edição de 13h29min de 21 de março de 2009

1

Heráclito, no fragmento 50, fala do lógos como escuta, certamente porque o léguein além de significar reunir, quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do lógos não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o real se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é algo, é real, é o real se dando como fala, como verdade e se retraindo e velando como não-verdade. Então escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fica mais claro, se é possível, que um outro modo de escuta do real é a visão. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como presença, onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria clareira onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do sendo. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do corpo, onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o lógos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro


2

"O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 168.


3

"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um ser cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos dizer que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um pensamento que se coloca à disposição da força" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.
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