Tékhne

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:A questão da ''tékhne'' é semelhante à do ''[[lógos]]''. Da densidade e complexidade em Heráclito passa-se, na Modernidade, ao sentido reduzido de [[razão]]. Com a [[linguagem]] também ocorre algo semelhante. Enquanto palavra divina, tem em si todo vigor de [[verdade]] manifestativa. Contudo, hoje na Linguística e nos meios de comunicação ficou reduzida a um simples instrumento. Isso ocorreu na medida em que a [[proposição]] com o sujeito e o predicado toma o centro do dizer e a verdade se torna proposicional, ou seja, depende do juízo. É esta verdade e esta predominância da proposição que permite a redução da linguagem à instrumentalidade. Ora, com a ''tékhne'' ocorre o mesmo. Mas aí se deu o seu alcance na mesma proporção em que a proposição substitui a [[palavra]]. A proposição não apenas enuncia uma verdade, mas também um [[conhecimento]]. A junção de conhecimento e verdade racional acabam por instituir a ''tékhne'' instrumental, ou seja, proposicional e racional. Contudo, há uma ''tékhne'' ligada à ''[[poíesis]]''. E esta é a que se dá propriamente na [[obra-de-arte]]. Com a ''poíesis'' ocorre o mesmo: originariamente vigor do dizer da palavra, sendo, na proposição, o lugar de ação, assumida pelo sujeito, e então se reduz a um simples "dizer" dos fonemas. Isto só é possível porque ''tékhne'', ''lógos'' e ''poíesis'' já contêm em si esta possibilidade reducionista, assim como cada coisa, cada ente contém em si a ideia, mas silencia sempre o que é essencial: o [[velamento]].
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:A questão da ''tékhne'' é semelhante à do ''[[lógos]]''. Da densidade e complexidade em Heráclito passa-se, na Modernidade, ao sentido reduzido de [[razão]]. Com a [[linguagem]] também ocorre algo semelhante. Enquanto palavra divina, tem em si todo vigor de [[verdade]] manifestativa. Contudo, hoje na [[Linguística]] e nos meios de [[comunicação]], ficou reduzida a um simples [[instrumento]]. Isso ocorreu na medida em que a [[proposição]] com o [[sujeito]] e o [[predicado]] toma o centro do dizer e a verdade se torna proposicional, ou seja, depende do [[juízo]]. É esta verdade e esta predominância da proposição que permite a redução da linguagem à instrumentalidade. Ora, com a ''tékhne'' ocorre o mesmo. Mas aí se deu o seu alcance na mesma proporção em que a proposição substitui a [[palavra]]. A proposição não apenas enuncia uma verdade, mas também um [[conhecimento]]. A junção de conhecimento e verdade racional acabam por instituir a ''tékhne'' instrumental, ou seja, proposicional e racional. Contudo, há uma ''tékhne'' ligada à ''[[poíesis]]''. E esta é a que se dá propriamente na [[obra-de-arte]]. Com a ''poíesis'' ocorre o mesmo: originariamente vigor do dizer da palavra, sendo, na proposição, o lugar de ação, assumida pelo sujeito, e então se reduz a um simples "dizer" dos fonemas. Isto só é possível porque ''tékhne'', ''lógos'' e ''poíesis'' já contêm em si esta possibilidade reducionista, assim como cada [[coisa]], cada [[ente]] contém em si a [[ideia]], mas silencia sempre o que é essencial: o [[velamento]].
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:"[[Produzir]], em grego, é ''tikto''. A raiz ''tec'' desse verbo é comum à [[palavra]] ''tékhne''. ''Tékhne'' não significa, para os gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixar-aparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam a ''tékhne'', o produzir, a partir do deixar-[[aparecer]]" (1).
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:"[[Produzir]], em grego, é ''tíkto''. A raiz ''tec'' desse verbo é comum à [[palavra]] ''tékhne''. ''Tékhne'' não significa, para os gregos, nem [[arte]], nem [[artesanato]], mas um deixar-aparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em [[vigor]]. Os gregos pensam a ''tékhne'', o produzir, a partir do deixar-[[aparecer]]." (1)
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 138-9.
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In: ''Ensaios e conferências''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 138-9.
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:"O que significa ''techné'' quando dizemos que está intimamente aparentada com a [[episteme]]? ''Techné'' conecta-se com a raiz ''techo'', ''tichto'' - traduzida comumente por "procriar". O que se procria é ''to technon'', a criança: ''tichto'' significa procriar e criar na acepção de parir, dar à luz, onde predomina o segundo significado. Nossa língua materna tem uma locução bonita e ainda impensada para exprimir o parir da procriação, que é 'colocacar no [[mundo]]' [procurar em Rosa]. O sentido grego mais próprio e mais velado de '''techo'' não é o fazer e aprontar [produto], mas o conduzir alguma coisa para o desencobrimento como o que foi trazido, como o que aparece ao partir de... como o que 'é', em sentido grego. O ''techton'' é o pro-dutor, aquele que pro-cede a partir de... e para... A partir do desencoberto para o aberto. O homem realiza esse procedimento pro-dutor na construção, no entalhe, na formação. A palavra 'arquiteto' traz ''ho techton''. Do ponto de vista do projeto, a pro-dução de um templo orienta-se, a partir do arquiteto e pelo arquiteto, enquanto ''[[arché]]'' de um ''techein'' (1).
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:"O que significa ''tékhne'' quando dizemos que está intimamente aparentada com a [[epistéme]]? ''Tékhne'' conecta-se com a raiz ''tekho'', ''tikto'' - traduzida comumente por "procriar". O que se procria é ''tò tékhnon'', a criança: ''tikto'' significa procriar e criar na acepção de parir, dar à luz, onde predomina o segundo significado. Nossa língua materna tem uma locução bonita e ainda impensada para exprimir o parir da procriação, que é 'colocacar no [[mundo]]' [procurar em Rosa]. O sentido grego mais próprio e mais velado de '''techo'' não é o fazer e aprontar [produto], mas o conduzir alguma coisa para o [[desencobrimento]] como o que foi trazido, como o que aparece ao partir de... como o que 'é', em sentido grego. O ''téchton'' é o pro-dutor, aquele que pro-cede a partir de... e para... A partir do desencoberto para o aberto. O homem realiza esse procedimento pro-dutor na construção, no entalhe, na formação. A palavra 'arquiteto' traz ''ho techton''. Do ponto de vista do projeto, a pro-dução de um templo orienta-se, a partir do arquiteto e pelo arquiteto, enquanto ''[[arché]]'' de um ''techein'' (1).

Edição de 18h07min de 9 de Abril de 2009

1

A questão da tékhne é semelhante à do lógos. Da densidade e complexidade em Heráclito passa-se, na Modernidade, ao sentido reduzido de razão. Com a linguagem também ocorre algo semelhante. Enquanto palavra divina, tem em si todo vigor de verdade manifestativa. Contudo, hoje na Linguística e nos meios de comunicação, ficou reduzida a um simples instrumento. Isso ocorreu na medida em que a proposição com o sujeito e o predicado toma o centro do dizer e a verdade se torna proposicional, ou seja, depende do juízo. É esta verdade e esta predominância da proposição que permite a redução da linguagem à instrumentalidade. Ora, com a tékhne ocorre o mesmo. Mas aí se deu o seu alcance na mesma proporção em que a proposição substitui a palavra. A proposição não apenas enuncia uma verdade, mas também um conhecimento. A junção de conhecimento e verdade racional acabam por instituir a tékhne instrumental, ou seja, proposicional e racional. Contudo, há uma tékhne ligada à poíesis. E esta é a que se dá propriamente na obra-de-arte. Com a poíesis ocorre o mesmo: originariamente vigor do dizer da palavra, sendo, na proposição, o lugar de ação, assumida pelo sujeito, e então se reduz a um simples "dizer" dos fonemas. Isto só é possível porque tékhne, lógos e poíesis já contêm em si esta possibilidade reducionista, assim como cada coisa, cada ente contém em si a ideia, mas silencia sempre o que é essencial: o velamento.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


2

"Produzir, em grego, é tíkto. A raiz tec desse verbo é comum à palavra tékhne. Tékhne não significa, para os gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixar-aparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam a tékhne, o produzir, a partir do deixar-aparecer." (1)


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In: Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 138-9.


3

"O que significa tékhne quando dizemos que está intimamente aparentada com a epistéme? Tékhne conecta-se com a raiz tekho, tikto - traduzida comumente por "procriar". O que se procria é tò tékhnon, a criança: tikto significa procriar e criar na acepção de parir, dar à luz, onde predomina o segundo significado. Nossa língua materna tem uma locução bonita e ainda impensada para exprimir o parir da procriação, que é 'colocacar no mundo' [procurar em Rosa]. O sentido grego mais próprio e mais velado de 'techo não é o fazer e aprontar [produto], mas o conduzir alguma coisa para o desencobrimento como o que foi trazido, como o que aparece ao partir de... como o que 'é', em sentido grego. O téchton é o pro-dutor, aquele que pro-cede a partir de... e para... A partir do desencoberto para o aberto. O homem realiza esse procedimento pro-dutor na construção, no entalhe, na formação. A palavra 'arquiteto' traz ho techton. Do ponto de vista do projeto, a pro-dução de um templo orienta-se, a partir do arquiteto e pelo arquiteto, enquanto arché de um techein (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio: Delume Dumará, 1998, p. 213.
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