Mistério

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 00h20min de 6 de Novembro de 2009 por Fábio (Discussão | contribs)

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Normalmente se separa realidade e mistério, como se soubéssemos o que é mistério e realidade. Nem um nem outra cabem no saber, só no não-saber de todo saber. A fim de aprofundar esta questão, é recomendável a leitura do volume II do livro Aprendendo a pensar (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 175.


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"O mistério não é o misterioso, o estranho, o longínquo, o enigmático. Ao contrário, é a de-ferência mais íntima da interioridade de nós mesmos, dos outros ou de qualquer coisa. Disso já nos fala a própria palavra. Mistério vem do verbo grego que significa trancar-se no centro, concentrar-se [...]" (1).
Há aí uma ligação muito próxima com o ordinário, sendo que o extra-ordinário é o ordinário se dimensionando pelo que lhe é mais interior, mais concentrado. Conclui-se que a criação, a eclosão da linguagem se dá pelo redimensionamento da linguagem cotidiana, pela concentração, pelo que lhe é mais interior. O uso e abuso comunicativo da palavra no cotidiano encobre e esquece seu potencial. Trazer a potência das palavras para a sua manifestação não é trabalhar as formas em novas formas. Rosa diz o que é descer ao núcleo vivo das palavras: é "chocar as palavras" (2).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 180.
(2) Cf. LORENZ, Günter W. "Diálogo com João Guimarães Rosa". In: Diálogo com a América Latina. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1973.

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"O mistério da vida não é alguma coisa de outro mundo; não é uma vida diferente deste mundo ou um outro mundo; o mistério da vida é a vitalidade desta vida, deste mundo. Esta vitalidade que não se deixa controlar, subjugar e aplicar. Isso é o que constitui o mistério da vida" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O corpo, a terra e o pensamento". In: CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p. 70.


Ver também:


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Mistério remete, em toda experiência, para o que se diz e reconhece fora das possibilidades de ser, conhecer e dizer. Para se dar e acontecer mistério é indispensárvel morar e descobrir-se no âmbito da Linguagem, do lógos (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Permanência e atualidade do poético: lógos, mýthos, épos". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 171. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, pp. 33-8.


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"Pensar é expor-se às peripécias dos mistérios, das presenças e ausências, das clarezas e obscuridades. É nessa exposição que o pensar se faz viger e torna vigorosa a força de sua presença. Por sua vez, a apresentação do mistério, como componente da realidade, tem sido produzida de modo a só se apresentarem simulacros de mistérios, isto é, mistérios que de antemão se sabe serem possíveis de virem a ser solucionados, que sejam capazes de se desvanecerem enquanto mistérios" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 170-1.


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"Do mistério o que é mais característico é o movimento de concentração no seu âmago, seu recolhimento no íntimo. Ao contrário do que possa parecer a uma concepção dominada pela ideia de meio, de mediação , de instrumento, o concentrar-se no âmago, no imo, traz consigo movimento. A procura do centro do interior não deixa de ser procura. Movimento não implica representação. Concentrar-se é estabelecer um lugar, é, portanto, habitar" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 171.


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Fora dos domínios da objetividade, cujas distâncias entre o ponto de partida e o de chegada, entre o início e o fim, são bem marcados, o mistério enlaça tais fronteiras ao se dar radicalmente enquanto evocação do desconhecido. Como pensamento radical, o mistério não é coisa a ser pensada, mas a própria liberdade do pensar. Em sua experiência, o pensamento acontece e se manifesta como experiência inesgotável: "O mistério é o que se diz e reconhece fora das possibilidades de conhecer e dizer. Ora, o mistério nunca é algo e muito menos algo que esteja fora do pensamento ou que se refira sobretudo à razão e ao discurso. É o mistério da liberdade do próprio pensamento. É a experiência de uma libertação que não se exaure com o que pensa o pensamento. É a presença da vida na morte, da plenitude na limitação, da criatividade na dependência. Só o pensamento radical pode pensar o mistério como mistério" (1).


- Fábio Santana Pessanha


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hermenêutica, Revelação, Teologia". In: ______. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 211.