Dança
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 101. | :(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 101. | ||
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+ | :"Com a dança que em voltas tece o tempo e toca a terra com o peso do ritmo, na música, o corpo de filha-de-santo e de orixá é um corpo. A dança já não é a atividade de um corpo possuído por um ente divino, com tais e quais características, própria de tal ou qual cultura. A dança é plenamente o orixá. É plenamente a filha-de-santo. A dança é, no lugar de encontro do corpo, a filha-de-santo e o orixá. Visto que a dança traz o sentido do encontro do corpo de filha-de-santo e orixá, ela não é outra coisa senão o acontecimento do sentido de reunião desta corporeidade. Assim, não é o corpo que dança. O corpo é a dança que se dança. A dança é o peso da música na terra, sua densidade e concretude. Instaurando o lugar da música, a dança é um corpo com o atabaque com o qual ela dança. O atabaque, fazendo vibrar no ar que se respira, no tempo que se abre generoso ao acontecimento da dança, é um com esta dança que faz o seu ritmo ser plenamente experienciado como música. O atabaque, tecendo o tempo em ritmo concede à dança o lugar de seu acontecimento" (1). |
Edição de 02h46min de 21 de março de 2011
1
- A profunda ligação e integração de corpo e dança não é simplesmente uma questão de posicionamento artístico ou estético, mas, sim, poético-onto-fenomenológico. Diz Capra, citando Varela e Coutinho: "[...] a dança mútua entre sistema imunológico e corpo [...] permite que o corpo tenha uma identidade mutável e plástica ao longo de toda a sua vida e seus múltiplos encontros" (1).
- Referência:
- (1) CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 220.
2
- O que há de essencial na dança é que ela incorpora a música a partir do que é comum a ambas, o silêncio, e a faz desabrochar nas possibilidades de advir ao ver, onde comparecem o figurar e o vazio, enquanto poíesis, o vigor do poético. Mas é necessária uma reflexão especial porque, embora a dança se funde no ver/imagem, também não incorpora a imagem-conceito-representação. Se a música faz presente a escuta, a dança faz presente a figuração-imagem, mas sem representação. A dança se dá na tensão vazio/gesto. E aí é necessário pensar a poíesis - verbo noutras dimensões e medidas. Todo andar, se mover, lugar e mundo já são dança. Ela vai estar articulada à dzoé, à vida como psyché - respiração -, a Hermes como verbo - poíesis - ou seja, ao vigor poético.
3
- O movimento é a grande questão para os filósofos gregos e pensadores originários. A solução de Galileu para o movimento foi achada na redução do movimento à equação matemática. Matematizar o movimento é a solução moderna e científica. A metafísica já o fizera através da substituição da questão pelo conceito. Por isso, há uma profunda simbiose entre técnica e matemática. Daí o movimento preciso. Nessa precisão técnica muitas vezes se resolve e conceitua o gesto e a dança como gestos. Contudo, essencialmente, o movimento só é dança quando ele se manifesta como sentido e essência do agir. É que na e pela ação poética o ser humano chega a ser o que é. Ora, os gregos, ao movimento como essência e sentido do agir, chamavam poíesis. Esta poíesis é sempre essencialmente um agir da phýsis/nascividade/natureza. Por isso, Heidegger diz a propósito de phýsis como surgir: "[...] podemos ainda pensar o surgir como quando o homem, concentrando o olhar, surge para si mesmo, como no discurso o mundo surge para o homem e com ele se reúne a fim de que o próprio homem se revele, como o ânimo se desdobra nos gestos, como sua essência persegue o desvelamento num jogo, como sua essência se manifesta na simples existência" (1).
- O ânimo se desdobrando nos gestos é a essência da dança. Fique, porém, claro que a palavra ânimo, de anima, alma, traduz o termo grego psykhé, que quer dizer o movimento vital de inspirar e expirar no respirar: o livre viver.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 101.
4
- "Com a dança que em voltas tece o tempo e toca a terra com o peso do ritmo, na música, o corpo de filha-de-santo e de orixá é um corpo. A dança já não é a atividade de um corpo possuído por um ente divino, com tais e quais características, própria de tal ou qual cultura. A dança é plenamente o orixá. É plenamente a filha-de-santo. A dança é, no lugar de encontro do corpo, a filha-de-santo e o orixá. Visto que a dança traz o sentido do encontro do corpo de filha-de-santo e orixá, ela não é outra coisa senão o acontecimento do sentido de reunião desta corporeidade. Assim, não é o corpo que dança. O corpo é a dança que se dança. A dança é o peso da música na terra, sua densidade e concretude. Instaurando o lugar da música, a dança é um corpo com o atabaque com o qual ela dança. O atabaque, fazendo vibrar no ar que se respira, no tempo que se abre generoso ao acontecimento da dança, é um com esta dança que faz o seu ritmo ser plenamente experienciado como música. O atabaque, tecendo o tempo em ritmo concede à dança o lugar de seu acontecimento" (1).