Linguagem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 20h59min de 21 de Dezembro de 2008 por Fábio (Discussão | contribs)

Tabela de conteúdo

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Há três noções fundamentais de linguagem:
1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e instrumento. Ela então se reduz a um código relacional-funcional.
2ª) De conhecimento/conceitual: é a linguagem enquanto representação, pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.
3ª) Poético-ontológica: é a phýsis se manifestando. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como “linguagem universal da vida”. Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e sistêmica, onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos entender por linguagem poético-ontológica é contraface da phýsis, da realidade realizando-se. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do logos.


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A linguagem fala. O logos fala. Quando a linguagem fala o que advém e acontece como e na palavra da linguagem? O próprio ser e não-ser como linguagem e fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a escuta. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no entre se diz em grego: pará-ballein, de onde se forma o termo: palavra.


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A importância da ação/poiesis e do próprio corpo como linguagem – viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a música falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/poiesis, em sua referência, sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer conceito, pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originaria ao homem e à sociedade. Linguagem é mundo e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há diálogo sem o logos: linguagem, mundo e memória. Como o agir/linguagem não se restringe à fala/escrita ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que *homens* e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na ambigüidade da questão.


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Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo ser a poiesis e o ethos (ato ético). "J- Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala. P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada lingüístico. É o que também acontece com a formulação “casa do ser” (1). Por isso não se pode ligar só o logos à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: poiesis, ethos (lugar: sintaxe), linguagem/ser, phýsis. É o âmbito da poiesis, ethos e logos, enquanto alétheia, que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos lingüistas é um conceito lógico e jamais poético.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador. In: A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.


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Assim como cada rito não realiza o mito, do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas conseqüências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a realidade, embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissemetria tensional opta pela negação e pela ambigüidade. Esses são os princípios da ironia e de toda poiesis. E nisso consiste a nossa e a libertação do poeta, pela qual articula a liberdade negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.


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No silêncio originário da linguagem soam as ressonâncias do que foi, é e será. Por isso, ser é linguagem, mundo, silêncio, liberdade e memória.


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O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num limite, num paradoxo: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é questão e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vem dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O silêncio como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da gramática, só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda. Por isso, não pode haver fala sem escuta. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas e na convivência dos homens.


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O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da palavra. O poder da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre ético. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e retórica. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o logos. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo (democracia) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de comunicação. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é logos. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da doxa. Mas qual o lugar do diálogo na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero conceito. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.


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A linguagem é um enigma porque a realidade é um enigma. A angústia social com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. “Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a realidade, a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!” (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprender a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.


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A linguagem tem prioridade na construção da realidade como uma construção ficcional: "a experiência do real é facultada pela sua conversão em discurso" (1). Mas o discurso fundador é a ficção do fingere/fingidor de Fernando Pessoa, isto é, dos grandes poetas. Ser poeta não é uma questão social, de discurso ou de gênero. É o deixar-se tomar pela Linguagem. Incluir o ser humano dando-lhe a dimensão do humano é levá-lo às possibilidades da linguagem.


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. Introdução à poética da ironia. In: Linha de Pesquisa Revista do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UVA. Vol. 1. Rio de Janeiro, 2000, pp.27-48.


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É importante porque liga caminho, ordinário, conhecido e cotidiano, e eu acrescento exatamente a linguagem automatizada. E mais importante: ele irá ler a linguagem automatizada na dimensão do funcional, do operativo, da correlação sujeito/objeto (Cf. Leão: 1992, p. 184).


Referência:
LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a Pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992.


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"A criatividade da experiência quotidiana só parece banal aos ditos da fala. Pois toda situação dita banal remete sempre ao vigor original de seu silêncio" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.


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É preciso pensar a questão da linguagem não só na sua constituição sígnica, mas também enquanto imagem não repetida, mas manifestadora. Na cultura pós-moderna, a linguagem como imagem é muito importante. É claro que é essencial pensar como a imagem se torna linguagem, ou seja, se torna portadora de informação e sentido, porque manifestadora da realidade. Daí deriva também a questão do olhar enquanto sentido e realidade e até da função e fundação do próprio "EU".


Ver também


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O que aí desenvolve como linguagem é a sua conceituação como língua enquanto código, dando informações historiográficas. Não há aí uma reflexão poética e de pensamento da linguagem, pois também ele não se propõe nada mais do que uma epistemologia historiográfica (Cf. Foucault: 1995, p. 58).


Referência:
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995.


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Cf. BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.75.


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Cf. PAZ, Otávio. Os filhos do Barro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, pp.74-75.


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Textos sobre linguagem e fenomenologia em (1).


(1) MERLEAU-PONTY, Maurice. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.


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A linguagem instrumental é o diálogo do significante e do significado reduzidos a meras funções comunicativas ou de transmissão de conhecimentos. A linguagem poética é o diálogo da linguagem e do silêncio na entre-fala das línguas. "O homem se define pelo poder de transcender a condição humana. A essência metafórica da linguagem é solidária da natureza transcendente do homem" (1).


Referência:
SOUZA, Ronaldes de Melo e. Epistemologia e hermenêutica em Bachelard. In: Revista Tempo Brasileiro. N°90. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1987, p. 64.


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Em relação aos sofistas, Platão resolve o problema da relação do nome e do referencial, criando um novo referencial: as IDÉIAS (formas).


Referência:
Cf. KERFERD, George Br. Le mouvement sophistique. Paris: J. Vrin, 1999, p.130.


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"Na experiência Numinosa, arcaica e hesiódica da linguagem, o nome do Nume é esse Nume em sua própria Ipseidade. (...) pois o nome é a Presença" (Torrano: 1992, p. 97). O autor trata de seres terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o nome é dar-lhes Presença. "... o Nume é o seu Nome cuja nomeação funda a Presença do próprio Nome - e, portanto, não signi-fica, mas é" (Idem, p. 98).


Referência:
TORRANO, J. A. A. Estudo introdutório. In: HESÍODO. Teogonia. Trad. TORRANO, J. A. A. São Paulo: Iluminuras, 1992.


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Para tratar radicalmente da linguagem é necessário estudá-la em sua relação com a questão da liberdade. A questão da relação da linguagem e da liberdade aparece na reflexão sobre a essência do agir e, evidente, da própria realidade realizando-se.


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O conceito de linguagem como produto da sociedade, embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da questão sofista: a linguagem como produto cultural e não natural, ou seja, a arbitrariedade do signo. É a questão central do diálogo de Platão CRÁTILO. Temos, pois, aí a questão dos sofistas: nomos/logos em vez de phýsis/nomos. A questão da linguagem como informação também está ligada à linguagem como produto cultural. Só o signo sendo arbitrário, pode-se ligar a linguagem a um código formal na medida em que é cultural, contextual, ou seja, só por ser cultural é que pode ser formal.


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Em Merquior (1) se discute a concepção de Wittgenstein e depois sobretudo a de Gadamer, introduzindo a questão da sociedade, caso esta não seja considerada sincronicamente ou estática. Daí remeter para a questão do sentido e da história, sob a ótica do horizonte e da tradução.


Referência:
MERQUIOR, José Guilherme. Saudades do Carnaval. Rio de Janeiro: Forense, 1972, cap. IX; p. 250.


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"A linguagem - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa [sagrada] que ele nomeia com o nome de Musas - é filha da MEMÓRIA, ou seja, este divino Poder traz à Presença o não-presente, coisas passadas ou futuras" (1). "O ser se dá na linguagem porque a linguagem é numinosamente a força-de-nomear" (2). "No caso de Hesíodo, a linguagem é por excelência o sagrado... A experiência do sagrado é a mais viva experiência do que é o mais real e é a mais vivificante experiência de Realidade" (3).


Referências:
(1) TORRANO, J.A.A. Estudo introdutório. In: HESÍODO. Teogonia. Trad. TORRANO, J.A.A. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
(2) Idem.
(3) Ibidem, p. 30.
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