Linguagem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 21h33min de 19 de Dezembro de 2008 por Fábio (Discussão | contribs)

Tabela de conteúdo

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Há três noções fundamentais de linguagem:
1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e instrumento. Ela então se reduz a um código relacional-funcional.
2ª) De conhecimento/conceitual: é a linguagem enquanto representação, pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.
3ª) Poético-ontológica: é a phýsis se manifestando. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como “linguagem universal da vida”. Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e sistêmica, onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos entender por linguagem poético-ontológica é contraface da phýsis, da realidade realizando-se. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do logos.


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A linguagem fala. O logos fala. Quando a linguagem fala o que advém e acontece como e na palavra da linguagem? O próprio ser e não-ser como linguagem e fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a escuta. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no entre se diz em grego: pará-ballein, de onde se forma o termo: palavra.


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A importância da ação/poiesis e do próprio corpo como linguagem – viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a música falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/poiesis, em sua referência, sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer conceito, pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originaria ao homem e à sociedade. Linguagem é mundo e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há diálogo sem o logos: linguagem, mundo e memória. Como o agir/linguagem não se restringe à fala/escrita ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que *homens* e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na ambigüidade da questão.


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Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo ser a poiesis e o ethos (ato ético). "J- Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala. P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada lingüístico. É o que também acontece com a formulação “casa do ser” (1). Por isso não se pode ligar só o logos à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: poiesis, ethos (lugar: sintaxe), linguagem/ser, phýsis. É o âmbito da poiesis, ethos e logos, enquanto alétheia, que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos lingüistas é um conceito lógico e jamais poético.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador. In: A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.


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Assim como cada rito não realiza o mito, do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas conseqüências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a realidade, embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissemetria tensional opta pela negação e pela ambigüidade. Esses são os princípios da ironia e de toda poiesis. E nisso consiste a nossa e a libertação do poeta, pela qual articula a liberdade negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.


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No silêncio originário da linguagem soam as ressonâncias do que foi, é e será. Por isso, ser é linguagem, mundo, silêncio, liberdade e memória.


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O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num limite, num paradoxo: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é questão e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vem dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O silêncio como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da gramática, só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda. Por isso, não pode haver fala sem escuta. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas e na convivência dos homens.


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O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da palavra. O poder da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre ético. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e retórica. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o logos. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo (democracia) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de comunicação. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é logos. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da doxa. Mas qual o lugar do diálogo na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero conceito. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.


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A linguagem é um enigma porque a realidade é um enigma. A angústia social com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. “Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a realidade, a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!” (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprender a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.
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